14 de dezembro de 2011

A depressão é falta de Deus?




As pesquisas científicas mais recentes são categóricas em afirmar que a fé religiosa interfere positivamente na capacidade de recuperação de um doente. Por outro lado, existem pessoas que atribuem à sua fé religiosa seu estado de saúde plena. 
Sem dúvida, a fé é um recurso transformador da mente, porém, sem discernimento ela deságua no fanatismo e no preconceito, o que é sempre pernicioso. Os bens espirituais não são materiais ou físicos, por isso, as bênçãos divinas não podem ser medidas pelo sucesso financeiro ou pelo vigor físico de um indivíduo.

Mas ajuntai tesouros no céu, onde nem a traça nem a ferrugem consomem, e onde os ladrões não minam nem roubam.

Mateus 6:20

O que pretendemos discutir neste artigo é o outro lado da moeda. Será o doente um indivíduo sem fé, sem Deus? Será que o otimismo, o pensamento positivo, a boa vontade, a fé em Deus são suficientes para que tenhamos saúde? Ou pelo menos para que obtenhamos a cura de nossos males?
Todas as doenças têm causas multifatoriais. Existe um componente físico, um emocional e outro espiritual. A conjunção dos três níveis de desequilíbrio é que abre as portas do organismo humano para a instalação de doenças.
            Choca-me a forma recorrente e incisiva com que pessoas esclarecidas, atuantes dentro de comunidades religiosas as mais diversas, afirmam que para elas a depressão é falta de Deus. Como se se tratasse de uma questão de escolha. Chegam a cogitar que os medicamentos antidepressivos seriam os responsáveis pela doença. É lastimável que essa visão distorcida seja tão impregnada em nossa sociedade.
Trata-se de questão relevante, pois o doente com depressão tem ao seu lado, em sua família, pessoas com esse pensamento, o que resulta em um retardo no diagnóstico, prolonga o sofrimento do deprimido e, boicota seu tratamento. Essa visão se transfere ao doente e ele sente-se ainda pior, acha que é fraco, incapaz ou indolente.
As pessoas que assim pensam cometem vários erros do ponto de vista médico e, outros tantos do ponto de vista evangélico. Elas assim agem por interpretarem os sintomas dessa doença como puramente emocionais ou como falhas de caráter. Desconhecem os mistérios da mente em sua interação complexa envolvendo o universo biológico, emocional e espiritual.
O religioso precipitado julga o doente ignorando o verdadeiro mecanismo da sua doença, que é expressão de anomalia física e não de anomalia de caráter. Assim como o diabetes traduz a falta de insulina, a depressão reflete déficit de neurohormonios no cérebro.
Existe, logicamente, uma complexa inter-relação entre questões emocionais e o curso mais ou menos favorável dessa condição, como em qualquer outra situação de desequilíbrio orgânico.

Portanto nada julgueis antes do tempo, até que venha o Senhor, o qual não só trará à luz as coisas ocultas das trevas, mas também manifestará os desígnios dos corações; e então cada um receberá de Deus o seu louvor.
I Coríntios 4:5

É interessante como a humanidade repete incansavelmente os mesmos erros relatados em sua história. Os Hansenianos contemporâneos de Jesus eram tidos como malditos e pecadores, como vítimas do castigo divino. 
Sob o prisma da medicina sabemos que humor é uma função da mente regulada por neuro-hormonios. A pessoa com distúrbio do humor não está triste ou alegre. Ela está deprimida ou eufórica. Em medicina não são sinônimos, podemos ter uma pessoa deprimida e alegre e, uma pessoa em euforia e triste. A tristeza é um sentimento em reação a um fato exterior. A depressão não depende de causa externa, daí o termo depressão endógena.
O eufórico triste está agitado, querendo fazer tudo ao mesmo tempo, só pensa em soluções mirabolantes e tem dificuldade para dormir. É claro que o mais comum é que tenhamos deprimidos tristes e eufóricos alegres. Também, enfrentamos maior dificuldade em detectarmos tristeza em um eufórico e alegria em um deprimido, pois a expressão desses sentimentos está modificada em relação ao padrão habitual.
Quando ocorre uma diminuição da produção de neurohormonios, especialmente da serotonina, ocorre alteração do humor no sentido da depressão. A euforia é mais rara e, associa-se a um distúrbio da mente mais severo conhecido como doença bipolar.
A depressão endógena, portanto, reflete déficit de neurotransmissores e a etiologia desse déficit por sua vez é multifatorial. A influência genética é bastante evidente. Trata-se de condição mais frequente na mulher em função da flutuação hormonal que ela sofre. A progesterona, hormonio da segunda fase do ciclo e, da gravidez, predispõe à depleção de serotonina, por isso a tendência feminina para alterações do humor na fase pré-menstrual.
Trata-se de doença com caráter cíclico e recorrente. Os episódios de depressão costumam ser longos durando entre seis meses e dois anos. Em suas formas graves pode levar a uma apatia intensa e até ao suicídio.
As formas leves muitas vezes são negligenciadas, pois tem manifestação algo diferente. A pessoa fica irritada, ansiosa, pode desenvolver pânico ou comportamento obsessivo compulsivo. Mesmo em sua forma leve a depressão compromete bastante a qualidade de vida do seu portador, compromete ainda seus relacionamentos profissionais e pessoais. São pessoas tidas como chatas, arrogantes, intolerantes ou cheias de manias.
Os exercícios físicos liberam endorfinas na corrente sanguínea as quais tem ação antidepressiva natural. O chocolate, fonte de triptofano, um precursor da serotonina, também tem ação antidepressiva.
Atualmente existem medicamentos seletivos e seguros para o tratamento da depressão. São os antidepressivos, que não devem ser confundidos com sedativos, hipnóticos ou tranquilizantes. Estes últimos causam dependência química, o que não acontece com os medicamentos específicos para depressão.
Infelizmente, drogas ilícitas e lícitas, como o álcool, também têm algum efeito antidepressivo transitório. Isso leva, comumente, ao seu uso abusivo pelos doentes em função de um busca por alívio rápido do desconforto que os consomem, especialmente, naquelas pessoas que não se sabem ou não se admitem doentes.
Assim, o risco de desenvolvimento de dependência química entre os deprimidos é aumentado. Não é incomum que o diagnóstico de depressão endógena só seja feito após a instalação de uma dependência química, especialmente entre os adolescentes.
Os antidepressivos ainda que bastante eficientes devem ser associados a exercício físico e ao suporte emocional para que se obtenha um bom controle das crises depressivas. A Distimia é um distúrbio clinico do humor, forma mais leve da depressão endógena que caracteriza-se por ser de longa duração. Responde bem aos antidepressivos que por sua segurança podem ser usados por extensos períodos, conforme a necessidade de cada doente.
O suporte espiritual é também fundamental para o depressivo. Reduz a influência exterior negativa e, aumenta a capacidade de reagir à doença através da busca serena de soluções seguras.
Quando afirmamos que a depressão é falta de Deus estamos julgando um doente como um simulador ou como um auto-agressor. Estamos julgando o doente como fraco e, sem vontade. E pior, como distante de Deus. Quantos enganos em relação ao Evangelho do Cristo? Ele, o Cristo, nos conclama a não julgarmos, a sermos compassivos e misericordiosos.

Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia;

Mateus 5:7

E, além de tudo que já expomos, uma evidência óbvia que depressão não tem como causa única a falta de Deus é que os índices dessa doença são semelhantes entre ateus e teístas.
Todas as doenças enfrentadas com o auxílio divino são mais leves e tornam-se instrumento de educação do espírito encarnado. Tendo fé a nossa dor tem um sentido, faz parte de um conjunto de bênçãos do criador em favor de nossa evolução rumo aos paramos celestiais. Com fé lutaremos pela vida e pela disposição, sem revolta e com inteligência.
Tendo fé usaremos todas as armas terapêuticas em nosso benefício e pelo tempo necessário conforme a necessidade se imponha. Caso não precisemos de medicação, usaremos apenas os exercícios físicos e o apoio emocional como alternativa suficiente, já que diversos são os tratamentos eficazes em relação a essa doença.
A premissa que depressão é falta do que fazer, falta de Deus, chilique... É desinformada e cruel.
Muitas pacientes me contaram que ao experimentarem por si próprias uma profunda e longa crise depressiva, passaram a entender que essa doença, que antes supunham ser de ordem moral ou emocional, era real, era verdadeiramente física. Aquele que supera a depressão endógena adquire um aprendizado especial, ele sente a realidade da doença e, deixa de cultivar conceitos equivocados sobre este mal.
Entretanto, gostaríamos que o processo de esclarecimento, sobre uma condição relativamente frequente, se desse mais amplamente. Se desse além da experiência pessoal. Daí a redação e publicação desse texto que pretende disponibilizar informações para pessoas saudáveis permitindo que acolham respeitosamente as necessidades dos doentes com os quais convivem.

Por:Giselle Fachetti Machado


Giselle Fachetti Machado  (Goiânia/GO)

Médica Ginecologista e Obstetra. Graduada pela Faculdade de Medicina da UFG e,  Residência médica e especialização em Colposcopia no HC da UFMG. É responsável pelo Serviço de Colposcopia do Laboratório Atalaia de Goiânia. É membro da Comunidade Espírita Ramatís, em Goiânia e atuante no movimento em Defesa da Vida e na AME Goiás (Associação Médico Espírita). Nasceu em 20/05/1962 em Cianorte, no Paraná. Reside em Goiânia desde os 6 anos de idade. Oriunda de família espírita sendo que seu avö Osmany Coelho e Silva foi pesquisador espírita na década de 1940 no Rio de Janeiro. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário