12 de janeiro de 2012

KARDEC E NAPOLEÃO






Logo após o Brumário (9  de  Novembro  de  1799),  quando  Napoleão  se  fizera  o  primeiro Cônsul da República Francesa, reuniu-se, na noite de 31 de Dezembro de 1799, no coração da  latinidade,  nas  esferas  Superiores, grande  assembléia,  de  espíritos  sábios  e benevolentes, para marcarem a entrada significativa do novo século.

Antigas  personalidades  de  Roma  Imperial,  pontífices  e  guerreiros  das  Gálias,  figuras notáveis da Espanha, ali se congregavam à espera do expressivo acontecimento.

Legiões dos Césares, com os seus estandartes, falanges de batalhadores do mundo gaulês e  grupos  de  pioneiros  da  evolução  hispânica,  associados  a múltiplos  representantes  das
Américas, guardavam linhas simbólicas de posição de destaque.

Mas não somente os  latinos se  faziam representados no grande conclave. Gregos  ilustres,
lembrando as confabulações da Acrópole gloriosa, israelitas famosos, recordando o Templo de  Jerusalém,  deputações  eslavas  e  germânicas,  grandes  vultos  da  Inglaterra,  sábios
chineses,  filósofos  hindus,  teólogos  budistas,  sacrificadores  das  divindades  olímpicas, renomados  sacerdotes  da  Igreja  Romana  e  continuadores  de  Maomet  ali  se mostravam, como em vasta convocação de forças da ciência e da cultura da Humanidade.

No  concerto  das  brilhantes  delegações  que  aí  formavam,  com  toda  a  sua  fulguração representativa, surgiam Espíritos de velhos batalhadores do progresso que voltariam à  liça carnal ou que a seguiriam, de perto, para o combate à ignorância e a miséria, na  laboriosa preparação da nova era da fraternidade e da luz.

No deslumbrante espetáculo da Espiritualidade Superior, com a refulgência de suas almas,  achavam-se  Sócrates,  Platão  Aristóteles,  Apolônio  de  Tiana,  Orígenes,  Hipócrates,
Agostinho, Fénelon, Giordano Bruno, Tomás de Aquino, S.Luis de França, Vicente de Paulo, Joana D’Arc, Tereza d’Avila, Catarina de Siena, Bossuet, Spinoza, Erasmo, Mílton, Cristóvão Colombo, Gutenberg, Galileu, Pascal, Swedenborg e Dante Alighieri para mencionar apenas alguns  heróis  e  paladinos  da  renovação  terrestre;  e,  em  planos  menos  brilhantes, encontravam-se,  no  recinto maravilhoso,  trabalhadores  de  ordem  inferior,  incluindo muitos dos  ilustres  guilhotinados  da  Revolução,  quais  Luís  XVI,  Maria  Antonieta,  Robespierre,Danton, Madame Roland, André Chenier, Bailly, Camile Desmoulins, e grandes vultos como Voltaire e Rousseau.

Depois  da  palavra  rápida  de  alguns  orientadores  eminentes,  invisíveis  clarins  soaram  na direção do plano carnal e, em breves instantes, do seio da noite, que velava o corpo ciclópico
do mundo europeu, emergiu, sob a custodia de esclarecidos mensageiros,  reduzido cortejo de sombras, que pareciam estranhas e vacilantes, confrontadas com as feéricas irradiações
do palácio festivo.

Era um grupo de almas, ainda encarnadas, que, constrangidas pela Organização Celeste, remontavam à vida espiritual, para a reafirmação de compromissos.

À  frente, vinha Napoleão, que centralizou o interesse de  todos os circunstantes. Era bem o grande corso, com os seus trajes habituais e com o seu chapéu característico.

Recebido por diversas  figuras da Roma antiga, que se apressavam em ofercer-lhe apoio e auxilio, o vencedor de Rivoli ocupou radiosa poltrona que, de antemão, lhe fora preparada.

Entre  aqueles  que  o  seguiram,  na  singular  excursão,  encontravam-se  respeitáveis autoridades  reencarnadas no Planeta, como Beethoven, Ampère, Fúlton, Faraday, Goethe, João  Dálton,  Pestalozzi,  Pio  VII,  além  de muitos  outros  campeões  da  prosperidade  e  da independência do mundo. 

Acanhados  no  veículo  espiritual  que  os  prendia  à  carne  terrestre,  quase  todos  os  recém-vindos banhavam-se em lágrimas de alegria e emoção.

O  Primeiro-Cônsul  da  França,  porém,  trazia  os  olhos  enxutos,  não  obstante  a  extrema palidez que lhe cobria a face. 
Recebendo o louvor de várias legiões, limitava-se a responder
com acenos discretos, quando os clarins ressoaram, de modo diverso, como se pusessem a voar para os cimos, no rumo do imenso infinito...

Imediatamente  uma  estrada  de  luz,  à  maneira  de  ponte  levadiça,  projetou-se  do  Céu, ligando-se ao castelo prodigioso, dando passagem a inúmeras estrelas resplendentes.

Em  alcançando  o  solo  delicado,  contudo,  esses  astros  se transformavam  sem  seres humanos, nimbados de claridade celestial.

Dentre  todos,  no  entanto,  um  deles  avultava  em  superioridade  e  beleza.  Tiara  rutilantebrilhava-lhe na cabeça, como que a aureolar-lhe de bênçãos o olhar magnânimo, cheio de
atração  e  doçura.   

Na  destra,  guardava  um  cetro  dourado,  a  recamar-se   
de  sublimes cintilações...

Musicistas  invisíveis,  através  dos  zéfiros  que  passavam  apressados,  prorromperam  num cântico de hosanas,  
sem palavras articuladas.


A  multidão  mostrou  profunda  reverência,  ajoelhando-se  muitos  dos  sábios  e  guerreiros, artistas e pensadores, enquanto  todos os pendões dos vexilários arriavam, silenciosos, em sinal de respeito.

Foi  então  que  o  corso  se pôs em  lágrimas e,  levantando-se, avançou  com dificuldade, na direção do mensageiro que trazia o báculo de ouro, postando-se genuflexo, diante dele.

O celeste emissário, sorrindo com naturalidade, ergueu-o, de pronto, e procurava abraçá-lo, quando o Céu pareceu abrir-se diante de  todos, e uma voz enérgica e doce,  forte como a ventania  e  veludosa  como  a  ignorada melodia  da  fonte,  exclamou  para  o Napoleão,  que
parecia eletrizado de pavor e júbilo, ao mesmo tempo:

-  Irmão e amigo ouve a verdade, que te fala em meu espirito! Eis-te à frente do apóstolo da fé,  que,  sob  a  égide  do  Cristo,  descerrará  para  a  Terra  atormentada  um  novo  ciclo  de conhecimento...

César  ontem,  e  hoje  orientador,  rende  o  culto  de  tua  veneração,  ante  o  pontífice  da  luz!
Renova, perante o Evangelho, o compromisso de auxiliar-lhe a obra renascente!...

Aqui se congregam conosco lidadores de todas as épocas. 
Patriotas de Roma e das Gálias, generais e soldados que  te acompanham nos conflitos da Farsália, de Tapso e de Munda,
remanescentes das batalhas de Gergóvia e de Alésia aqui  te surpreendem com simpatia e expectação... Antigamente,  no  trono absoluto, pretendias-te descendente dos deuses para dominar a Terra e aniquilar os inimigos... Agora, porém, o Supremo Senhor concedeu-te por berço  uma  ilha  perdida  no  mar,  para  que  te  não  esqueças  da  pequenez  humana  e determinou voltasses ao coração do povo que outrora humilhaste e escarneceste, a  fim de que lhe garantas a missão gigantesca, junto da Humanidade, no século que vamos iniciar.

Colocado pela Sabedoria Celeste na condição de timoneiro da ordem, no mar de sangue da Revolução, não olvides o mandato para o qual fostes escolhido.

Não  acredites  que  as  vitórias  das  quais  fostes  investido  para  o  Consulado  devam  ser atribuídas exclusivamente ao  teu gênio militar e político. 
A Vontade do Senhor expressa-se nas  circunstâncias  da  vida. Unge-te de  coragem para governar sem ambição e  reger sem
ódio. 

Recorre à oração e à humildade para que te não arrojes aos precipícios da tirania e da violência!...

Indicado para consolidar a paz e a segurança, necessárias ao êxito do abnegado apóstolo que descortinará a era nova, serás visitado pelas monstruosas tentações do poder. 

Não te fascines pela vaidade que buscará coroar-te a fronte... Lembra-te de que o sofrimento do povo  francês, perseguido pelos  flagelos da guerra civil, é o preço da  liberdade humana
que deves defender, até o sacrifício. 

Não  te macules com a escravidão dos povos  fracos e
oprimidos e nem enlameies os teus compromissos com o exclusivismo e com a vingança!...

Recorda  que,  obedecendo  a  injunções  do  pretérito,  renasceste  para  garantir  o ministério espiritual  do  discípulo  de  Jesus  que  regressa  à  experiência  terrestre,  e  vale-te  da oportunidade para santificar os excelsos princípios da bondade e do perdão, do serviço e da fraternidade do Cordeiro de Deus, que nos ouve em seu glorificado sólio de sabedoria e de amor!

Se honrares as tuas promessas, terminará a missão com o reconhecimento da posteridade e escalarás  horizontes  mais  altos  da  vida,  mas,  se  as  tuas  responsabilidades  forem menosprezadas, sombrias aflições amontoar-se-ão sobre as tuas horas, que passarão a ser gemidos escuros em extenso deserto...

Dentro do novo século,  começaremos a preparação do  terceiro milênio do Cristianismo na Terra.

Novas  concepções  de  liberdade  surgirão  para  os  homens,  a  Ciência  erguer-se-á  a indefiníveis culminâncias, as nações cultas abandonarão para sempre o cativeiro e o tráfico de criaturas livres e a religião desatará os grilhões do pensamento que, até hoje, encarceram
as melhores aspirações da alma no inferno sem perdão!...

Confiamos, pois, ao  teu espírito valoroso a governança política dos novos eventos e que o Senhor te abençoe!...

Cânticos de alegria e esperança anunciaram nos céus a chegada do século XIX e, enquanto o  Espírito  da  Verdade,  seguido  por  várias  cortes  resplandecentes,  voltava  para  o  Alto,  a inolvidável assembléia se dissolvia...

O  apóstolo  que  seria  Allan  Kardec,  sustentando  Napoleão  nos  braços,  conchegou-o  de encontro  ao  peito  e  acompanhou-o, bondosamente,  até  religá-lo  ao  corpo  de  carne,  no próprio leito.

Em 3 de outubro de 1804, o mensageiro da renovação renascia num abençoado lar de Lião, mas  o  Primeiro-Cônsul  da  República  Francesa,  assim  que  se  viu  desembaraçado  da
influência  benéfica  e  protetora  do  Espírito  de  Allan  Kardec  e  de  seus  cooperadores,  que retomavam, pouco a pouco, a integração com a carne, confiantes e otimistas, engalanou-se com a púrpura do mando e, embriagado de poder, proclamou-se Imperador, em 18 de maio
de 1804, ordenando a Pio VII viesse coroá-lo em Paris.

Napoleão,  contudo,  convertendo  celestes  concessões  em  aventuras  sanguinolentas,  foi apressadamente  situado,  por  determinação  do  Alto,  na  solidão  curativa  de Santa Helena,
onde esperou a morte, enquanto Allan Kardec, apagando a própria grandeza, na humildade de um mestre-escola, muita  vez atormentado e desiludido,  como  simples homem do povo, deu  integral  cumprimento  à  divina missão  que  trazia  à  Terra,  inaugurando  a  era  espírita-cristã,  que,  gradativamente,  será  considerada  em  todos  os  quadrantes  do  orbe  como  a sublime renascença da luz para o mundo inteiro. 

Irmão X

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