23 de abril de 2012

Merci, Allan!




Certa feita, o Espírito de Toulouse-Lautrec, através do médium Luiz Gasparetto, na década de 1970, disse a Chico Xavier, logo após este último sugerir-lhe nome para uma de suas pinturas transcendentais: - Merci, Allan!
Referindo-se, é claro, à reencarnação passada do grande humanista de Pedro Leopoldo – MG, Toulouse, que fora contemporâneo de Allan Kardec e cidadão de Paris no final do século XIX, trouxe uma expressão que anteontem tive a vontade imensa de dizer.
Explico.
Encontrava-me num galpão sem luxo, na sede da Associação Médico-Espírita do Vale do São Francisco, em Petrolina – PE. O calor infernal assaria todas as carnes humanas presentes, se não fosse a colaboração de uns três ventiladores e umidificadores de ar. Assentos brancos de fibra plástica, banquinhos toscos de madeira e até mesmo cadeirinhas velhas da vovó, aquelas confeccionadas nordestinamente com ferro e fios grossos de matéria transparente (e, me poupem, não faço alusão à decrepitude de ninguém!). O chão, de cimento, tinha sido acariciado com baldes d’água no começo da tarde, a fim de aliviar do fogo que margeia o Aqueronte do sertão. Teto de flandres ou algo parecido, recebendo o energismo do rei-Sol.
Tudo cheirava Evangelho!
Não este, coberto de ouro e de regalias que os sacerdotes incautos propalam aos sete ventos! Recendia um Evangelho primitivo, que evocava Jesus à beira do Tiberíades, prestes a descer da barca e subir no monte para, de cima, falar com o povo rude e maltratado, com a nobreza, os céticos e os sábios da época. Ali, ao lado do Mestre, todos eram parte de uma só multidão, sedenta toda de amor.
Funcionaria, desta vez, a barca de Caronte, advinda diretamente do Styx?!...
Expectativa.
De repente, às duas e meia, surge um casal de modos comuns e aparentando vontade alegre de ajudar. O varão parecia um franciscano ou beneditino, por conta de seus cabelos negros, belos e escorridos, mas vestido de calça e camisa. A senhora me evocava uma mãe, professora, esposa dedicada. Eram os médiuns que receberiam cartas de parentes e amigos desencarnados. Sentam-se à mesa de escritório que, reparei, haviam virado as gavetas para frente, não deixando ensejos para alegação de atividades fraudulentas.
Coloca-se um som alto, para abafar o falatório das gentes ali, que, dizem as más línguas, eram mais de duzentas, ansiosas por uma cartinha, um recado qualquer que lhes consolasse as feridas abertas pela dúvida, pela saudade. Rolou de quase tudo: Raul Seixas, Elton John, Rolling Stones, não sei se até mesmo Elvis Presley. Ora! Quem queria saber de Mozart, Vivaldi ou outros clássicos da veneração dita do requinte genuíno?! Até lanchinho era possível comprar: suquinho de maracujá, para acalmar os nervos, torta de galinha, uma beleza!
Muito respeito e mais expectativa.
Duas horas ou mais do início (e até talvez menos), os médiuns pararam de escrever com a mão tapando o olho, gesto disseminado pelo Chico que ora homenageamos, e passaram à leitura das missivas advindas do país dos mistérios:
“Mamãe, quero te dizer que naquela noite, dia tal, quando assim e assado, os homens vieram, com facas e paus, me abater...”
“Amada esposa, trago a você o meu amor e a certeza de que a vida não terminou. Diga a fulano, cicrano, beltrana que estou bem...”
“A vovó-não-sei-quem e o vovô-não-sei-das-quantas estão aqui comigo, e dizem que aquilo e aquele outro fato que ocorreu há não sei quantos anos...”
Realmente, a barca de Caronte havia trazido de volta os habitantes do Hades!
Percebi que todos os felizardos, diante dos acontecimentos narrados com tantos detalhes, choravam comovidamente com a realidade dos fatos, diz-se também que pela semelhança das assinaturas dos Espíritos, que os medianeiros de São Paulo, é claro, desconheciam por completo, mas para depois sorrirem e se abraçarem, aliviados, consolados, quem sabe até o fim de suas existências.
Eu também chorei.
Porque os mortos já possuem vida. Porque a vida é de interrelação. Porque um homem teve a coragem de enfrentar o mundo para nos deixar, não só por duas reencarnações, um legado tão belo, que um dia há de revitalizar todo o aparato do cristianismo, trazendo de volta, para todos, a sua verdadeira significação.
Assim, peço vênia a Toulouse-Lautrec para falar, em alto e bom tom, e, sem licença, acrescentar:
- Merci, Allan, qui est Chico Xavier!

Obs.: Meu presente singelo de aniversário a Francisco Cândido Xavier.
02 de abril de 2012

Fabio Sousa
Escritor, Psicanalista, Pedagogo, autor do livro Peregrinação Interior: Transcendência, publicado pela Giz Editorial.

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