18 de setembro de 2013

A PRERROGATIVA DA ESCOLHA DAS PROVAS E SUAS LIMITAÇÕES


A escolha das provas, como manifestação do livre-arbítrio, entretanto, não tem caráter absoluto, uma vez que Deus [...] pode impor certa existência a um Espírito, quando este, pela sua inferioridade ou má-vontade, não se mostra apto a compreender o que lhe seria mais útil, e quando vê que tal existência servirá para a purificação e o progresso do Espírito, ao mesmo tempo que lhe sirva de expiação. 5
 
Assim, pode-se dizer que as [...] leis inflexíveis da Natureza, ou, antes, os efeitos resultantes do passado, decidem a sua reencarnação. O Espírito inferior, ignorante dessas leis, pouco cuidadoso de seu futuro, sofre maquinalmente a sua sorte [...]. O Espírito adiantado inspira-se nos exemplos que o cercam na vida luídica, recolhe os avisos de seus guias espirituais, pesa as condições boas ou más de sua reaparição neste mundo, prevê os obstáculos, as dificuldades da jornada, traça o seu programa e toma fortes resoluções com o propósito de executá-las. Só volta à carne quando está seguro do apoio dos invisíveis, que o devem auxiliar em sua nova tarefa. 12
 
Por outro lado, quando, em sua origem, o Espírito é ainda inexperiente para escolher adequadamente as provas da sua existência, Deus lhe supre a inexperiência, traçando-lhe o caminho que deve seguir [...]. Deixa-o, porém, pouco a pouco, à medida que o seu livre-arbítrio se desenvolve, senhor de proceder à escolha e só então é que muitas vezes lhe acontece extraviar-se, tomando o mau caminho, por desatender os conselhos dos bons Espíritos.

Ainda a propósito da questão da escolha das provas, são bastante elucidativos os comentários do instrutor Druso, trazidos por André Luiz no seguinte relato:


Há trinta anos, desfrutei o convívio de dois benfeitores, a cuja abnegação muito devo neste pouso de luz. Ascânio e Lucas, Assistentes respeitados na Esfera Superior, integravam-nos a equipe de mentores valorosos e amigos... Quando os conheci em pessoa, já haviam despendido vários lustros no amparo aos irmãos transviados e sofredores. Cultos e enobrecidos, eram companheiros infatigáveis em nossas melhores realizações. Acontece, porém, que depois de largos decênios de luta, nos prélios da fraternidade santicante, suspirando pelo ingresso nas esferas mais elevadas, para que se lhes expandissem os ideais de santidade e beleza, não demonstravam a necessária condição especica para o voo anelado. Totalmente absortos no entusiasmo de ensinar o caminho do bem aos semelhantes, não cogitavam de qualquer mergulho no pretérito, por isso que, muitas vezes, quando nos fascinamos pelo esplendor dos cimos, nem sempre nos sobra disposição para qualquer vistoria aos nevoeiros do vale... Dessa forma, passaram a desejar ardentemente a ascensão, sentindo-se algo desencantados pela ausência de apoio das autoridades que lhes não reconheciam o mérito imprescindível. Dilatava-se o impasse, quando um deles solicitou o pronunciamento da Direção Geral a que nos achamos submissos.

O requerimento encontrou curso normal até que, em determinada fase, ambos foram chamados a exame devido. A posição imprópria que lhes era característica foi carinhosamente analisada por técnicos do Plano Superior, que lhes reconduziram a memória a períodos mais recuados no tempo. Diversas fichas de observação foram extraídas do campo mnemônico, à maneira das radioscopias dos atuais serviços médicos no mundo e, através delas, importantes conclusões surgiram à tona... Em verdade, Ascânio e Lucas possuíam créditos extensos, adquiridos em quase cinco séculos sucessivos de aprendizado digno, somando as cinco existências últimas nos círculos da carne e as estações de serviço espiritual, nas vizinhanças da arena física; no entanto, quando a gradativa auscultação lhes alcançou as atividades do século XV, algo surgiu que lhes impôs dolorosa meditação... Arrebatadas ao arquivo da memória e a doer-lhes profundamente no espírito, depois da operação magnética a que nos referimos, reapareceram nas fichas mencionadas as cenas de ominoso delito por ambos cometido, em 1429, logo após a libertação de Orleães, quando formavam no exército de Joana d´Arc... Famintos de influência junto aos irmãos de armas, não hesitaram em assassinar dois companheiros, precipitando-os do alto de uma fortaleza no território de Gâtinais, sobre fossos imundos, embriagando-se nas honrarias que lhes valeram, mais tarde, torturantes remorsos além do sepulcro. Chegados a esse ponto da inquietante investigação, pela respeitabilidade de que se revestiam, foram inquiridos pelos poderes competentes se desejavam ou não prosseguir na sondagem singular, ao que responderam negativamente, preferindo liquidar a dívida, antes de novas imersões nos depósitos da subconsciência. Desse modo, em vez de continuarem insistindo na elevação a níveis mais altos, suplicaram, ao revés, o retorno ao campo dos homens, no qual acabam de pagar o débito a que aludimos. – Como? – indagou Hilário, intrigado. – Já que podiam escolher o gênero de provação, em vista dos recursos morais amealhados no mundo íntimo – informou o orientador –, optaram por tarefas no campo da aeronáutica, a cuja evolução ofereceram as suas vidas. Há dois meses regressaram às nossas linhas de ação, depois de haverem sofrido a mesma queda mortal que infligiram aos companheiros de luta no século XV. – E o nosso caro instrutor visitou-os nos preparativos da reencarnação agora terminada? – inquiri com respeito. – Sim, por várias vezes os avistei, antes da partida. Associavam-se a grande comunidade de Espíritos amigos, em departamento específico de reencarnação, no qual centenas de entidades, com dívidas mais ou menos semelhantes às deles, também se preparavam para o retorno à carne, abraçando, assim, trabalho redentor em resgates coletivos. – E todos podiam selecionar o gênero de luta em que saldariam as suas contas? – perguntei, ainda, com natural interesse. – Nem todos – disse Druso, convicto. – Aqueles que possuíam grandes créditos morais, qual acontecia aos benfeitores a que me reporto, dispunham desse direito. Assim é que a muitos vi, habilitando-se para sofrer a morte violenta, em favor do progresso da aeronáutica e da engenharia, da navegação marítima e dos transportes terrestres, da ciência médica e da indústria em geral, verificando, no entanto, que a maioria, por força dos débitos contraídos e consoante os ditames da própria consciência, não alcançava semelhante prerrogativa, cabendo-lhe aceitar sem discutir amargas provas, na infância, na mocidade ou na velhice, através de acidentes diversos, desde a mutilação primária até a morte, de modo a redimir-se de faltas graves
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Levando-se em conta tudo o que foi exposto, pode-se concluir que a prerrogativa de o Espírito escolher as provas da existência carnal está sempre em consonância com as suas condições de fazer uma escolha correta, com vistas aos próprios interesses espirituais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:


5. KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Tradução de Guillon Ribeiro. 91 

ed. Rio de Janeiro: FEB, 2007. Questão 262-a, p. 198.
 

12. DENIS, Léon. Depois da morte. Tradução de João Lourenço de Souza. 
26 ed. Rio de Janeiro: FEB, 2007. Cap. XLI, p. 247.
 

13. XAVIER, Francisco Cândido. Ação e reação. Pelo Espírito André Luiz. 
28 ed. Rio de Janeiro: FEB, 2007. Cap. 18, p. 247-249.

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