16 de outubro de 2013

O que quer dizer “O verdadeiro espírita?"





Um companheiro de doutrina me chamou a atenção para um artigo de Nazareno Tourinho, sob o título em epígrafe, objeto de acirrada discussão num grupo de estudo do centro. Ele se referiu, na ocasião, a um gesto costumeiro em nosso meio por parte das pessoas que afirmam que não são espíritas, mas estão tentando sê-lo.

Achei a matéria interessante para reflexão, pois percebi nas entrelinhas um grande esforço do autor em despertar os espíritas para o perigo da interpretação literal dos textos que, neste caso, pode dar asas ao moralismo ou à intransigência dos que acham que, para ser espírita, a pessoa não pode ter defeitos; ou, então, o contrário, desde que tenha elevadas virtudes morais, já é espírita. Nem uma coisa, nem outra, com certeza. A expressão do pensamento, por mais elaborada, sempre esbarra na limitação da linguagem e, conseqüentemente, no emaranhado das interpretações, que seguem ao sabor das conveniências.

Veja como Allan Kardec escreveu "Reconhece-se o verdadeiro espírita pela sua transformação moral e pelos esforços que emprega para domar suas inclinações más."1

Entendemos que, ao dizer "verdadeiro espírita", Kardec estava se referindo ao ideal do Espiritismo, ou seja, à meta que o Espiritismo quer alcançar em relação aos seus adeptos, e essa meta ele a coloca no esforço em a pessoa se melhorar e nas transformações que ela quer atingir.2 E, ao comentar o tema "Pecado por Pensamento e Adultério", no Evangelho,3 estabelece um interessante critério para se ter uma idéia do desenvolvimento moral das pessoas, ao afirmar: "A pessoa, que nem sequer concebe o mau pensamento, já realizou o progresso; aquela que ainda tem esse pensamento, mas o repele, está em vias de realizá-lo; e, por fim, aquele que tem esse pensamento e nela se compraz, ainda está sob toda a força do mal. Numa, o trabalho está feito; nas outras, está por fazer".

Esse é o caminho natural que nós, os espíritas, vamos percorrer, por força do ideal que abraçamos. Assim, Kardec entendia que, desde que uma pessoa se inteirasse da finalidade do Espiritismo, ela já teria motivos suficientes para iniciar essa caminhada. Para tanto, por um compromisso consigo mesma, passaria a se esforçar para se tornar melhor e contribuir, assim, para o melhoramento da humanidade.

Mas, entre a expectativa e a realidade há uma significativa distância. Nós, espíritas, não somos melhores ou superiores aos não-espíritas, só pelo fato de aceitarmos as idéias que o Espiritismo nos transmite. É preciso muito mais. No entanto, o fato de não correspondermos inteiramente ao ideal que abraçamos não nos tira o qualificativo de espíritas; apenas não nos dá a condição de bons espíritas ou espíritas verdadeiros, como quer Kardec. Espírita, na verdade, é toda pessoa que aceita os princípios básicos da doutrina, conforme as obras de Allan Kardec, mas não é necessariamente só aquele que aplica esses princípios em sua vida. Daí podermos dizer que, não havendo esforço em se fazer merecedor desse qualificativo, não se trata de um bom espírita.

Em artigo da Revista Espírita, escrito em agosto de 1865, chamado "O que ensina o Espiritismo", Kardec reconhece o quanto é difícil para nós alcançar uma só virtude numa encarnação. Mas, ele não desiste dessa pretensão; pelo contrário, acredita nela, e quer que os espíritas insistam nessa luta interior para o seu progresso moral, como vemos no item 350 de O Livro dos Médiuns: "De que serve acreditar na existência dos Espíritos, se essa crença não torna o homem melhor, mais benevolente e mais indulgente para com seus semelhantes, mais humilde, mais paciente na adversidade? (...) Todos os homens poderiam crer nas manifestações e a humanidade permanecer estacionária; mas tais não são os desígnios de Deus".

Logo, ao usar a expressão "verdadeiro espírita", Kardec se referia aos espíritas que já assumiram consigo mesmos o compromisso de se melhorar, o que não aconteceria quando - aceitando, admirando e até divulgando a doutrina - ainda não empregamos nenhum esforço naquele sentido.
  
José Benevides Cavalcante



1- O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. XVII, 4.
2- O Livro dos Espíritos, cap. III, 28.
3- O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. VIII.

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