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Um
companheiro de doutrina me chamou a atenção para um artigo de Nazareno
Tourinho, sob o título em epígrafe, objeto de acirrada discussão num
grupo de estudo do centro. Ele se referiu, na ocasião, a um gesto
costumeiro em nosso meio por parte das pessoas que afirmam que não são
espíritas, mas estão tentando sê-lo.
Achei
a matéria interessante para reflexão, pois percebi nas entrelinhas um
grande esforço do autor em despertar os espíritas para o perigo da
interpretação literal dos textos que, neste caso, pode dar asas ao
moralismo ou à intransigência dos que acham que, para ser espírita, a
pessoa não pode ter defeitos; ou, então, o contrário, desde que tenha
elevadas virtudes morais, já é espírita. Nem uma coisa, nem outra, com
certeza. A expressão do pensamento, por mais elaborada, sempre esbarra
na limitação da linguagem e, conseqüentemente, no emaranhado das
interpretações, que seguem ao sabor das conveniências.
Veja
como Allan Kardec escreveu "Reconhece-se o verdadeiro espírita pela sua
transformação moral e pelos esforços que emprega para domar suas
inclinações más."1
Entendemos
que, ao dizer "verdadeiro espírita", Kardec estava se referindo ao
ideal do Espiritismo, ou seja, à meta que o Espiritismo quer alcançar em
relação aos seus adeptos, e essa meta ele a coloca no esforço em a
pessoa se melhorar e nas transformações que ela quer atingir.2 E, ao comentar o tema "Pecado por Pensamento e Adultério", no Evangelho,3
estabelece um interessante critério para se ter uma idéia do
desenvolvimento moral das pessoas, ao afirmar: "A pessoa, que nem sequer
concebe o mau pensamento, já realizou o progresso; aquela que ainda tem
esse pensamento, mas o repele, está em vias de realizá-lo; e, por fim,
aquele que tem esse pensamento e nela se compraz, ainda está sob toda a
força do mal. Numa, o trabalho está feito; nas outras, está por fazer".
Esse
é o caminho natural que nós, os espíritas, vamos percorrer, por força
do ideal que abraçamos. Assim, Kardec entendia que, desde que uma pessoa
se inteirasse da finalidade do Espiritismo, ela já teria motivos
suficientes para iniciar essa caminhada. Para tanto, por um compromisso
consigo mesma, passaria a se esforçar para se tornar melhor e
contribuir, assim, para o melhoramento da humanidade.
Mas,
entre a expectativa e a realidade há uma significativa distância. Nós,
espíritas, não somos melhores ou superiores aos não-espíritas, só pelo
fato de aceitarmos as idéias que o Espiritismo nos transmite. É preciso
muito mais. No entanto, o fato de não correspondermos inteiramente ao
ideal que abraçamos não nos tira o qualificativo de espíritas; apenas
não nos dá a condição de bons espíritas ou espíritas verdadeiros, como
quer Kardec. Espírita, na verdade, é toda pessoa que aceita os
princípios básicos da doutrina, conforme as obras de Allan Kardec, mas
não é necessariamente só aquele que aplica esses princípios em sua vida.
Daí podermos dizer que, não havendo esforço em se fazer merecedor desse
qualificativo, não se trata de um bom espírita.
Em artigo da Revista Espírita,
escrito em agosto de 1865, chamado "O que ensina o Espiritismo", Kardec
reconhece o quanto é difícil para nós alcançar uma só virtude numa
encarnação. Mas, ele não desiste dessa pretensão; pelo contrário,
acredita nela, e quer que os espíritas insistam nessa luta interior para
o seu progresso moral, como vemos no item 350 de O Livro dos Médiuns:
"De que serve acreditar na existência dos Espíritos, se essa crença não
torna o homem melhor, mais benevolente e mais indulgente para com seus
semelhantes, mais humilde, mais paciente na adversidade? (...) Todos os
homens poderiam crer nas manifestações e a humanidade permanecer
estacionária; mas tais não são os desígnios de Deus".
Logo,
ao usar a expressão "verdadeiro espírita", Kardec se referia aos
espíritas que já assumiram consigo mesmos o compromisso de se melhorar, o
que não aconteceria quando - aceitando, admirando e até divulgando a
doutrina - ainda não empregamos nenhum esforço naquele sentido.
José Benevides Cavalcante
1- O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. XVII, 4.
2- O Livro dos Espíritos, cap. III, 28.
3- O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. VIII.
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