4 de dezembro de 2013

EM CARTA ABERTA, CLÓVIS NUNES DECLARA SUA INOCÊNCIA:



Surpreendido na manhã de 28 de novembro desse ano, às 6:30 a.m., recebi com estranheza o grupo de policias federais com um mandado de busca e apreensão, procurando dinheiro e armas no pequeno apartamento, em que resido, apenas para trabalhar, junto com meu filho. Após breve diálogo com os agentes federais, esses me informaram da inesperada operação VULCANO, que envolvia o meu nome e o nome da ONG MovPaz. Afirmaram também desconhecer a natureza das investigações, no entanto, orientaram-me que teria que pegar um vôo com destino à Salvador – às 13:00 h – e posteriormente seguir para me apresentar e depor na Delegacia da Polícia Federal de Feira de Santana. E veio, então, a notícia que me deixou atônito: “O senhor vai precisar de um advogado, porque foi decretado pelo juiz federal de Feira de Santana uma prisão cautelar de natureza investigativa durante cinco dias.” Surpreso, confuso e com a curiosidade acentuada para saber do que se tratava, fui alertado, no caminho, pelos agentes federais que a investigação tinha referência ao posto de entrega voluntária de armas, que funciona em parceria com o Primeiro Batalhão da Polícia Militar e a Casa da Paz. Cheguei em Feira de Santana às 17:30 h. À porta da delegacia um volumoso número de repórteres, que inopinadamente me pediam respostas que eu ainda não tinha, pois não possuía nenhuma informação sobre a origem das denúncias. Ao adentar o recinto, encontrei parte da minha família desolada e em sofrimento, cuja repercussão precipitada da mídia já havia atingido. Ao abraçar a minha esposa e meu filho, revelaram-me que a cidade inteira já havia tomado conhecimento, através dos noticiários, que eu tinha sido preso como um criminoso chefe de quadrilha e que havia desviado dos cofres públicos cerca de 1,3 milhão de reais. Meu Deus! Não acreditava que aquilo estava se passando comigo e que aquela acusação estava sendo realmente assacada contra mim. Fui convidado a entrar na sala para o interrogatório, acompanhado pelo meu advogado, Dr. Ricardo Moraes, que já me aguardava. Sentei-me serenamente com meu coração leve e consciência absolutamente tranquila, sem esconder, contudo, a perplexidade, e escutei as duras e injuriosas palavras do delegado federal Wal Goulart, que em voz alta e extremada me acusava do ilícito: fraude na Campanha do Desarmamento, formação de quadrilha e desvio de dinheiro público. Confirmando, assim, o que havia escutado minutos atrás dos meus familiares. Escutei tudo em silêncio e não pude disfarçar o desconforto emocional por ter a minha honra e dignidade sendo atacadas diante de um profissional representante de uma instituição como a Polícia Federal. Fiquei quase em estado de choque. Respirei fundo, e em silêncio, evoquei Jesus e a presença dos bons espíritos. No meu interior, a convicção inabalável: SOU INOCENTE! Minutos depois, sentou-se à minha frente o delegado Fábio Campos, que me interrogou, ponderadamente, de forma cortês, com um questionário de 110 perguntas, às quais respondi na integralidade, com convicção e sem nenhuma dúvida. Meu telefone estava grampeado há quase quatro meses e pude ouvir muitos diálogos e e-mails violados, de cuja interpretação dúbia dos mesmos me foram feitas várias perguntas. Respondi a todas elas da mesma forma. Encerrado o interrogatório, perguntei ao meu advogado: “Para onde vou depois daqui?”. E veio uma resposta fulminante: “Para o presídio!”. Nenhum agente, até então, havia-me dito isso! Disseram-me apenas que ficaria acautelado pela polícia federal durante cinco dias. Pude entender o pavor, a tensão e a tristeza dos meus familiares no momento do encontro, uma vez que todos já sabiam disso através da mídia, menos eu... Fui conduzido até o DPT para o exame de corpo e delito e depois transportado para o presídio. Ao adentrar o ambiente, exigiram que eu retirasse a minha roupa e vestisse a “farda de casa”: uma bermuda e camisa amarelas, sujas e suadas – já vestidas por outro preso –, de número bem menor do que o meu, o que me causou desconforto. Tive também que carregar dois colchões, aos quais eu não tinha direito, mas que foram deixados por familiares. Adentrei a sela por volta das 00:00h e me encontrei com meu irmão, Carlos Nunes, que havia sido preso antes de mim. Fui recebido efusivamente pela ironia e sarcasmo de mais oito presos que dividiram o espaço conosco. Foram cinco dias e noites de desolação, humilhação, solidão e escuta de depoimentos inconfessáveis dos oito detentos, que contavam suas histórias estarrecedoras! Com o coração transpassado por uma dor moral sem tamanho, em extrema solidão de uma madrugada sem horas, enquanto todos dormiam, a insônia parecia não ter fim. Angustiado e triste, comecei a andar no corredor da prisão e as lágrimas incontroláveis que desciam dos olhos não conseguiam traduzir a dor da minha alma. Eu apenas me perguntava: “Por que, meu Deus, tanta injustiça?” Com mais de vinte anos trabalhando pela paz, dezesseis deles dedicados ao desarmamento, horas de serviços prestados à causa da cultura pela paz... Tanta renúncia, sem nenhum interesse financeiro; dirigindo o MovPaz (uma ONG sem fins lucrativos, cujos diretores do Brasil, em onze estados, incluindo a mim – conforme rezam os estatutos - não podem ser remunerados). Ali me encontrava preso, vivendo o repúdio e o escárnio dos que me acusavam e me julgavam na cidade e no país inteiro através da mídia. Dentro da prisão, na segunda noite, segurando nas grades da cela, comecei então a chorar mais alto, pedindo resignação a Deus, para suportar a prova e a agonia daquelas horas de trevas. De repente, de uma forma inesperada, uma memória súbita e ostensiva invadiu minha mente como um clarão naquela madrugada escura: lembrei-me de outros pacifistas, bem maiores que eu, que também passaram por agonias bem maiores. Recordei-me de Gandhi, preso muitas vezes; de Nelson Mandela, 27 anos encarcerado; de Stevie Biko, torturado e morto depois de dezoito dias, sem comer na prisão; muitos monges budistas tibetanos, todos presos, inocentes; muitos adoeceram e morreram na sela, no desalento, sem cuidados, nem assistência. Senti uma força imensa que me revigorava... Segundos depois, uma calma inexplicável me fez pensar: Deus me deu uma prova muito menor que a deles, de apenas cinco dias, porque sou um pacifista tão pequeno, cuja dor veio proporcional ao meu tamanho! A partir de então, fiquei sereno, tranquilo; uma nova força interior tomou conta de mim. Deitei e dormi profundamente, experimentando uma paz intraduzível... Quero aqui esclarecer a todos que o posto de entrega voluntária de armas é cadastrado no 1º Batalhão da Polícia Militar (BPM) de Feira de Santana. A Casa da Paz é apenas um espaço auxiliar da sociedade civil, onde se recebe a entrega das armas. Lá, o procedimento e a rotina eram os seguintes: ao chegarem na Casa da Paz, as pessoas que entregavam as armas eram recebidas por um ou mais voluntário, sempre na companhia de dois policiais militares. Esses, em conjunto, averiguavam a natureza das armas entregues. Posteriormente, as armas eram danificadas na presença do entregador. Durante a manhã ou pela tarde, chamava-se uma viatura da polícia militar para conduzir as armas (já danificadas), acompanhadas de uma Guia de Controle de Entrega e por uma Guia de Transporte, até o 1º BPM. Chegando lá, as armas eram recebidas por outro policial, para serem guardadas em ambiente próprio. O policial que recebia, assinava uma Guia de Recebimento que devolvia à Casa da Paz. Posteriormente, o voluntário da Casa da Paz (no caso, Carlos Nunes) se dirigia ao Batalhão em seu próprio automóvel, para retirar os protocolos de indenização, que seriam preenchidos e impressos nos computadores do 1º BPM. Os protocolos, por sua vez, deveriam ser sempre digitados por um policial militar, que possuía uma senha do Intranet da Segurança Pública Brasileira (INFOSEG). A senha do INFOSEG é pessoal e intransferível, designada em sigilo para o policial responsável que tem o perfil autorizado por um único coronel do estado da Bahia, no caso, o Coronel Carvalho Melo, de Salvador. De posse dos protocolos impressos, o voluntário (Carlos Nunes) voltava à sede da Casa da Paz e os entregava aos antigos donos das armas, que, de acordo com o Estatuto do Desarmamento, são preservados em sua identidade, sem necessidade de justificar a origem da arma. (Faz-se então justificável o volume de armas entregues, uma vez que nos postos abertos da Delegacia de Polícia as pessoas tem medo de entregar a arma e serem presas, por conta da cultura do medo da polícia). Os antigos donos das armas, então, poderiam fazer a retirada do dinheiro em qualquer caixa eletrônico do Banco do Brasil, digitando a série de números impressas em cada protocolo. As mais de quatro mil e quatrocentas (4.400) armas que estão guardadas no 1º BPM, foram pagas em indenização aos seus respectivos donos, utilizando o procedimento descrito acima. Vale frisar que todas elas foram entregues espontaneamente e de forma voluntária por cada cidadão. Ao contrário do que se diz, nunca existiu qualquer fábrica de armas caseiras. Aliás, na própria tabela de preços e no campo de preenchimento do protocolo de indenização encontram-se os nomes: garrucha, espingarda e marca não identificada. Todas as armas que foram entregues tinham o poder de fogo e possuíam condições de matar. Saliento que nunca foi tirado nenhum protocolo dos computadores da Casa da Paz, porque esses não eram cadastrados na INFOSEG, o que impossibilitava tal procedimento. Durante todo esse período da campanha, mais de 500 armas artesanais e simulacros, sem indenização, foram selecionadas previamente e jogadas fora pela Casa da Paz. Muitas delas se encontravam no piso externo da Casa da Paz, debaixo do painel do desarmamento, onde se procediam o ato de danificação das armas. Se foram pagas guias de armas inexistentes, nenhuma delas foi retirada por mim. Minhas mãos nunca tocaram em um computador do 1º BPM. Se foi o meu irmão que fez isso, não posso responder por seus atos. Não teve o meu conhecimento nem a minha ordem. Não tive nenhum envolvimento intelectual ou material nessa ação. Confio na apuração da justiça, que esclarecerá os fatos e demonstrará a verdade através das investigações, sobre as quais sou totalmente favorável. Desde a existência do posto até atual momento, jamais saquei quaisquer guias de protocolos em proveito próprio ou de outrem e desconhecia completamente essa fraude, até que me foi revelada no dia do interrogatório. Não tinha como, da minha parte, ter o controle dos computadores da Polícia Militar. Muito menos tive acesso às senhas, o que pode ser conferido pelas investigações. A polícia federal violou meu sigilo bancário, fez um levantamento de todos os meus bens e não encontrou absolutamente nada. Eles não têm nenhuma prova que impute contra mim o que alegou a acusação e a imprensa. Se houve fraude na campanha, nas guias de protocolo, todos eles ocorreram dentro do 1º BPM. De mãos limpas, de alma pacificada e consciência tranquila, volto a afirmar: SOU INOCENTE! 

Paz pela paz. 

Clóvis Nunes

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