19 de outubro de 2015

CRIANÇAS ÍNDIGO E ESPIRITISMO: ALGUMA COISA A VER ?




Crianças com aura azul e crianças cristais, duas novidades. Como a pedagogia espírita vê essa questão?


Uma das novidades dessa primeira dé­cada do terceiro milénio é o anúncio de uma geração de crianças chamadas "índigo". Há ainda uma outra classificação, a das crianças "cristal". A onda veio dos Estados Unidos a partir de um livro de Lee Carroll e Jan Tober The índigo Children, the new kids have arríved, publicado no Brasil, pela Editora Butterfly, sob o titulo de Crianças índigo.

Entre tantas, é uma temática incluída nessa corrente híbrida de pensamento chamada New Age (Nova Era), que mistura orientalismos, misticismos vários, espiritualismo ocidental, psicologismos vagos, e, às vezes, Espiritismo, na sua forma norte-americana de spiritualism. O que caracteriza o pensamento New Age é justamente o anúncio de novos tempos para a humanidade, de maior espiritualidade, de au­mento de consciência, de iluminação coletiva.

Como não existe uma filosofia consistente e unificadora para esse movimento, nele se abrigam todos os tipos de reflexões e propos­tas, desde algumas razoavelmente sensatas e certas músicas bonitas e relaxantes, até ideias místicas, mesmo supersticiosas. O que falta é justamente um eixo de racionalidade e o que sobra, para atrapalhar, é o mercado em torno do tema.


A identificação de possíveis crianças especiais suscita discriminações e proporcionam um estímulo à vaidade.

Temos hoje uma indústria de espirituali­dade light, que vende em pílulas de livros de auto-ajuda, um conforto inconsistente, uma religiosidade descomprometida, porque muito superficial e feita para consumo rápido e des­cartável. Essa tendência se tornou de tal forma predominante - porque dá dinheiro - que ela contagia inclusive as grandes religiões e afeta em cheio o mercado editorial espírita.

O leitor-consumidor quer leituras rápidas, fáceis, que possam dar receitas prontas e flexí­veis para dar alívio às suas múltiplas angústias. Nada que comprometa muito, nada que o faça raciocinar em demasia, nada que o obrigue a to­mar atitudes éticas mais firmes. A espiritualidade também se tornou produto de mercado.

A questão das crianças índigo se insere nesse contexto. Segundo os autores que trabalham o tema, há crianças especiais nas­cendo no mundo para preparar a Nova Era, suas auras azuis justificam o nome de crianças índigo. São questionadoras, contestadoras, corajosas para construir um novo mundo. Mas há também as crianças cristais, essas mais evoluídas ainda, que são introspectivas, sensíveis, iluminadas.
Segundo os autores, esses seres precisam de atenção especial, de uma nova educação e de espaço para se desenvolverem livremente.



Meias-verdades e equívocos:


A questão, tanto com o movimento da Nova Era quanto com esse tema específico das crian­ças índigos, é que há algumas verdades intuídas em meio a uma grande confusão de conceitos e incoerências perigosas.

Já no século 19 o Espiritismo anunciava novos tempos para a humanidade e dizia que a mudança se daria, sobretudo, pela encarnação de Espíritos mais conscientes, que já viriam aptos a construir e a vivenciar um novo mundo.

Há também um postulado adotado por Allan Kardec que, conforme se dá o progresso dos mundos, o período de infância vai ficando mais curto e os Espíritos reencarnam cada vez mais lúcidos e rapidamente amadurecem dentro dos propósitos que os trouxeram à nova existência.

Entretanto, uma das características do pensamento espírita é o despojamento de toda e qualquer linguagem mística e mítica, uma certa racionalização da espiritualidade, dentro de um entendimento lógico do mundo e da vida. Se uma nova geração está surgindo - e certamente está, pois basta conviver com as crianças atuais, para observar a sua vivacidade, a sua capacidade de desenvolvimento e a sua sensibilidade - é um fato natural, faz parte da lei do progresso coletivo e é inclusive parcialmente explicável pela maior quantidade de estímulos que as crianças recebem hoje desde cedo.

O perigo de classificarmos essas crianças é considerá-las seres privilegiados - pois o pior é que apenas algumas crianças são tidas como índi­go ou cristais-, criando castas, de que os pais de orgulham e sobre as quais projetam seus desejos de grandeza. A identificação de possíveis crianças especiais é altamente problemática e mesmo prejudicial, porque suscita discriminações, clas­sificações desvantajosas para outras, que não sejam assim consideradas, e para elas próprias, proporcionando um estímulo à vaidade.

Na obra de Lee Carrol e Jan Tober, há pro­blemas ainda maiores. É que a identificação de tais crianças baseia-se em critérios muito subjetivos e mesmo erróneos. Vemos crianças consideradas índigo estopendo o rosto da mãe sendo prepotentes, humilhando e agredindo ou­tras pessoas, inclusive seus pais. Ora, segundo qualquer avaliação sensata, tais tendências não revelam um espírito superior. Pode ser até um ser desenvolvido intelectualmente, mas o orgulho e a arrogância mostram um déficit moral, que os pais têm a responsabilidade de ajudar a corrigir, com amor e diálogo, é claro, sem repressões e punições.

Todas as crianças são únicas, cada uma tem seu histórico reencarnatorio, traz seus talentos específicos a serem trabalhados na presente existência, está num degrau diferente de evolução espiritual

Outros critérios apontados - como os citados por Tereza Guerra, no livro dela: Crianças índigo - Uma geração de ponte com outras dimensões, publicado pela Editora Madras-carecem comple-tamente de qualquer cientificidade e de qualquer possibilidade de comprovação. São pseudocientí-ficos. Vejamos três desses critérios. Diz a autora, Tereza: "Esses indivíduos são, simplesmente, novas expressões com características que vocês não possuem:



1. Uma vibração mais elevada;

2. Uma organização que invalida certos atribu­tos provenientes dos astros que, habitualmente, afetam os humanos;

3. Um dispositivo biológico específico, que lhes permite manejannelhor as impurezas fabricadas pêlos próprios humanos do planeta"




Já conseguiram algum meio de medir a eleva­ção da vibração de cada um? E que organização e dispositivo biológico são esses? Alguma mutação genética; comprovada? Estamos diante de uma geração de mutantes; superiores a nós? Como se vê, são afirmativas gratuitas, inconsistentes e problemáticas.



O que diz a Pedagogia Espírita ?



Essa discussão mostra muito bem por que insistimos em falarem uma Pedagogia Espírita, termo criado por J. Herculano Pires, e não em uma Pedagogia Espiritualista ou Nova Pedagogia ou Pedagogia do Amor-como algumas pessoas sugerem no sentido de descaracterizá-la de um suposto aspecto sectário. Quem compreende bem o Espiritismo sabe que ele tem um caráter universalista e não se fecha em fanatismo e sectarismo. E o que faz parte principalmente de sua proposta é o método de abordagem da realidade, de maneira científica, racional, sem abdicar da visão espiritual. Ou seja, Kardec nos indica critérios de tocar o real, de maneira a termos mais segurança em nosso modo de conhecer.

Assim, a pedagogia espírita é uma pedagogia que assume a reencarnação, a espiritualidade como dimensão real e necessária do ser huma­no, mas não abandona o eixo de racionalidade científica, desenvolvido na história do Ocidente, desde a civilização grega. Não podemos nos lançar a um misticismo medieval, deixando de lado as âncoras da pesquisa e da razão.


Portanto, dentro dessa abordagem, pode­mos afirmar que a pedagogia espírita trabalha com um critério democrático, racional, de con­siderar todas as crianças iguais e, ao mesmo tempo, singulares, rejeitando classificações restritivas ou discriminatórias.


Todas as crianças são iguais, essencial­mente divinas, espíritos em evolução, com in­finitas potencialidades a serem desenvolvidas. Todas precisam de amor, diálogo, educação libertadora, que permita seu pleno desabro­char. Todas devem ser respeitadas e ajudadas a cumprir seu destino evolutivo.


Todas as crianças são únicas, cada uma tem seu histórico reencarnatorio, cada uma traz talentos específicos a serem trabalhados na presente existência, cada uma está num degrau diferente de evolução espiritual - que é difícil avaliar, pois não há métodos de me­dir evolução espiritual a não ser observar o exemplo de um ser humano ao longo de sua existência e, ainda assim, muitos se enganam nessa avaliação, tomando falsos profetas por missionários.


Cabe-nos observar atentamente cada indivíduo, conhecer de perto suas tendências e jamais abdicar da função de educar, o que não significa modelar de fora, mas ajudar o ser a se autoconstruir.



Dora Incontri



Fonte: Revista Universo Espírita (n. 40) - 2007 - Pág. 58

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