10 de março de 2025

DESMISTIFICANDO A IDEOLOGIA DE GÊNERO E COMPREENDENDO A TRANSSEXUALIDADE À LUZ DO ESPIRITISMO



Nos últimos anos temos ouvido falar muito sobre um termo que tem gerado polêmica e confusão: a chamada "ideologia de gênero". No Brasil, especialmente durante o processo eleitoral e após as eleições presidenciais de 2018, ele se tornou parte de um verdadeiro "combo" de desinformação, junto de mitos como "mamadeira de piroca", "kit gay" e "banheiros unissex".

Diante desse cenário, precisamos refletir com serenidade e bom senso, buscando separar o que é fato do que é manipulação. Como sempre nos ensinou a Doutrina Espírita, é fundamental analisarmos as coisas com razão e coração abertos. "Espíritas: amai-vos, eis o primeiro ensinamento; instruí-vos, eis o segundo.”

IDENTIDADE DE GÊNERO E IDEOLOGIA DE GÊNERO: SÃO A MESMA COISA?

Para começar, precisamos entender que "identidade de gênero" e "ideologia de gênero" são coisas completamente diferentes.

A identidade de gênero diz respeito à forma como o indivíduo se percebe internamente. Uma pessoa pode se identificar como homem, mulher ou em outras expressões não binárias, independentemente do sexo biológico com que nasceu. Isso é algo amplamente estudado pela ciência, pela psicologia e pela medicina.

 Não se trata de ideologia, mas de uma vivência autêntica e profunda.

Por outro lado, o termo "ideologia de gênero" é uma expressão criada dentro do meio católico conservador nos anos 90, como uma reação aos avanços dos direitos LGBTQIA+. Ela nunca foi uma teoria científica e tampouco foi adotada como política de Estado em qualquer país. No entanto, foi apropriada por grupos da extrema-direita para espalhar medo e desinformação, sugerindo que haveria um plano para "doutrinar" crianças e "acabar com as diferenças entre homens e mulheres".

 O QUE PENSA A DOUTRINA ESPÍRITA SOBRE A IDENTIDADE DE GÊNERO?

Allan Kardec nos deixou uma base de conhecimento segura para compreendermos a realidade do espírito e suas múltiplas encarnações.

No Livro dos Espíritos, questão 202, encontramos a resposta de que o espírito não tem sexo e pode reencarnar tanto como homem quanto como mulher, dependendo das suas necessidades evolutivas.

Isso significa que um espírito que teve diversas existências como um determinado gênero pode, ao reencarnar em um corpo diferente, sentir um forte descompasso entre sua identidade e sua fisionomia. E isso não é um erro da natureza ou uma "moda"; é uma experiência espiritual que precisa ser compreendida com respeito e empatia.

O Espiritismo não condena a identidade de gênero, muito menos a transsexualidade. Pelo contrário, nos convida a enxergar o próximo com amor e compreensão, respeitando sua caminhada evolutiva.

E A CIRURGIA DE MUDANÇA DE SEXO? COMO O ESPIRITISMO ENXERGA ISSO?

Muitos se perguntam se a cirurgia de redesignação sexual é "errada" ou "contra as leis divinas". Mas vejamos:

Deus nos dá o livre-arbítrio e também nos permite avançar cientificamente para melhorarmos nossa qualidade de vida. Se um espírito reencarna em um corpo que lhe causa sofrimento e encontra na cirurgia uma forma de viver com mais dignidade e paz em vez de aniquilar o seu existir, por que deveríamos condená-lo?

O Espiritismo ensina que "o espírito é independente da matéria", mas que, durante a encarnação, o corpo pode ser um instrumento de provas e desafios. Para muitas pessoas trans, viver em um corpo que não condiz com sua identidade é uma aflição profunda. Se a cirurgia pode aliviar esse sofrimento e permitir que o espírito cumpra sua missão na Terra com mais harmonia, não cabe a nós julgá-los. Pelo contrário, devemos entender e apoiar. O que realmente importa para a espiritualidade superior não é a forma do corpo físico, mas sim os valores morais que cultivamos.

AMOR E COMPREENSÃO ACIMA DE TUDO

Diante de tudo isso, fica o convite para refletirmos: estamos realmente preocupados com a evolução do espírito ou estamos presos a preconceitos e convenções sociais?

Lembro que ainda na década de 70, o nosso querido Chico Xavier, no programa Pinga Fogo, afirmou que a homossexualidade é uma condição da alma humana, assim como a bissexualidade e a assexualidade. Ele também disse que essas condições não devem ser motivo de espanto ou de ridículo.

A Doutrina Espírita nos ensina que "fora da caridade não há salvação". Se
encontramos irmãos que sofrem por sua
identidade de gênero, nossa missão é acolhê-los, respeitá-los e ampará-los em sua jornada.

Infelizmente, o Brasil ocupa a triste posição de líder mundial no assassinato de pessoas trans e travestis. Esse dado alarmante nos convida a uma reflexão ainda mais profunda sobre a responsabilidade que temos em construir uma sociedade mais justa e acolhedora. O Espiritismo nos ensina que todo ato de violência contra um irmão é um grave retrocesso espiritual. Além disso, os espíritos nos demonstram que o algoz de hoje pode renascer amanhã como a própria vítima, experimentando na pele as dores que um dia causou.

Contudo, a doutrina espírita não nos convida a julgar, mas a compreender. A verdadeira missão do ser humano na Terra é aprender a amar sem distinções.

Que possamos abrir nosso coração para a diversidade da vida, enxergando a cada ser como um irmão em caminhada para a luz. Assim, estaremos nos ajustando ao verdadeiro Espiritismo, e não tentando moldá-lo às nossas conveniências, como infelizmente tem ocorrido em alguns círculos. Vemos irmãos de ideal que, em vez de se comprometerem com os princípios de progresso e amor, tornam-se reacionários, esquecendo-se do ensinamento de Kardec: "O verdadeiro espírita é reconhecido pela sua transformação moral e pelos esforços que emprega para domar suas más inclinações."

Regih Silva

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