É com o coração apertado que observo, como
tantos irmãos de caminhada, a morte ser tratada como um troféu ideológico — e
não como o rito sagrado de transição que é. Dói ver líderes — invariavelmente
alinhados a extremos que sufocam a empatia — celebrarem a partida de um
espírito como se fosse uma “limpeza espiritual”. Não é a opinião que fere, mas
o aplauso que ela encontra. O eco entre tantos corações sedentos de ódio,
disfarçado de verdade, é o que mais entristece.
A morte do Papa Francisco, figura de fé e compaixão para milhões, não trouxe união. Pelo contrário: serviu de combustível para uma polarização já acentuada, transformando o que deveria ser lamento coletivo em palco de julgamento.
Desde o início do século XXI, o nosso planeta
— e sim, ele é redondo — tem passado por um processo claro de transição
espiritual. Estamos a caminhar para um mundo de regeneração, onde a justiça, o
amor e a verdade ocuparão o lugar do orgulho, da intolerância e da vaidade. Há,
sim, uma limpeza espiritual em curso.
Mas acreditar que ela se manifestaria na
partida de Francisco é não compreender os critérios do Alto. A sua conduta —
marcada pela humildade, empatia e defesa dos mais vulneráveis — está longe de representar
o que precisa ser expurgado do nosso mundo.
E aqui, infelizmente, vemos um fenomeno cada
vez mais comum: aqueles que não fazem o menor esforço para vivenciar os valores
de Francisco são os primeiros a acusá-lo de comunista. Tudo o que escapa ao
padrão mesquinho dessa gente, que endeusa o ego e demoniza a compaixão, é
rotulado de comunismo — mesmo sem saberem o que a palavra significa. Repetem
chavões como mantras vazios, presos a uma visão de mundo que só reconhece como
certo aquilo que espelha seus próprios medos e preconceitos. Não por
acaso — porque no universo nada é por acaso — muitos desses espíritos,
endurecidos pela arrogância, serão convidados a recomeçar em mundos como
Quíron, onde a dor ensinará o que o amor ainda não conseguiu alcançar.
Lembro-me das palavras lúcidas de Umberto Eco,
mais atuais do que nunca: “As mídias sociais deram o direito à fala a
legiões de imbecis…”. Não se trata de calar vozes — mas de despertar
consciências. Porque nem todo som é música, nem toda opinião é luz.
É nos tempos de trevas morais que somos
chamados à luz firme da vigilância interior. Que não respondamos com raiva, mas
com a serenidade de quem compreende que a ignorância ainda é uma forma de
sofrimento. Que sejamos faróis silenciosos em meio à tempestade — acolhendo,
instruindo, perdoando.
A morte, por mais que doa, é sempre sagrada.
Ainda mais quando se trata de alguém que entregou sua vida ao serviço
espiritual. O julgamento definitivo não cabe a nós, mas a Deus — e Ele, sabemos
bem, julga com amor, nunca com desprezo.
Que a nossa luta, então, não seja contra
pessoas, mas contra as sombras que ainda habitam em nós.
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