7 de outubro de 2025

A DOR QUE SE REPETE: LUTERO, HITLER E A TENTAÇÃO DE OPRIMIR




Há verdades espirituais que só se revelam quando olhamos além da superfície da história. Entre elas, está a trajetória do espírito que conhecemos como Martinho Lutero — reformador, teólogo e homem de coragem, mas também portador de sombras antigas que o acompanharam de existência em existência.

Se aceitarmos a leitura espiritual de que Lutero foi outrora o rei Saul e, depois, o apóstolo Paulo de Tarso, compreenderemos que sua alma sempre se moveu entre dois polos: a fé e o poder, a luz da revelação e o orgulho religioso. Saul governou o povo hebreu com o impulso do domínio; Saulo perseguiu os cristãos em nome da Lei; e Lutero, já reformador do Evangelho, voltou a manifestar a intolerância — agora contra os próprios filhos de Israel. O mesmo impulso de querer definir quem é digno ou não de Deus, apenas mudando de cenário e de dogma.

Seus escritos tardios, profundamente antissemitas, foram sementes lançadas no inconsciente coletivo da Europa cristã. Séculos mais tarde, germinaram em terreno fértil de ódio e fanatismo, inspirando mentes adoecidas — entre elas, a de Adolf Hitler. O Führer via em Lutero uma voz ancestral que legitimava a perseguição aos judeus. Assim, o antissemitismo teológico transformou-se em antissemitismo racial, e a intolerância espiritual de um homem se converteu, tragicamente, em um dos maiores crimes da humanidade.

Mas o Espiritismo nos ensina que a história não é um tribunal eterno de culpas, e sim uma escola de almas. O espírito de Lutero, assim como todos nós, é aluno da vida, aprendendo com os erros que ele mesmo semeou. E onde o ódio um dia foi proclamado em nome da fé, o amor, mais cedo ou mais tarde, retornará em forma de reparação.

A Doutrina Espírita, em contraste com o exclusivismo teológico que alimentou essas tragédias, reconhece no povo hebreu uma das expressões mais elevadas da Providência Divina. Israel não foi um povo escolhido por privilégio, mas por missão: guardar a centelha do monoteísmo e preparar a humanidade para a vinda do Cristo. Emmanuel, em A Caminho da Luz, recorda que os hebreus foram “a chama viva da revelação divina”, destinada a manter acesa a fé num Deus único quando o mundo mergulhava na idolatria e na violência.

Por isso, o Espiritismo vê no povo hebreu não um povo rejeitado, mas um tronco espiritual do qual brotaram o Evangelho e a própria revelação que hoje compreendemos como terceira revelação. Da Lei de Moisés ao amor do Cristo, e deste à luz da Doutrina Espírita, há uma sequência de aperfeiçoamento e não de substituição.

O Cristo não fundou religiões — fundou a fraternidade. E a missão de cada revelação é conduzir-nos um passo mais perto dessa verdade universal. Lutero cumpriu sua parte ao libertar consciências do jugo da Igreja medieval; mas, ainda preso a antigas paixões, não alcançou a visão cósmica do Evangelho integral, que não separa o homem pelo credo, pela raça ou pela tradição.

O tempo e a reencarnação farão o restante. O espírito que foi Saul, Paulo e Lutero, um dia voltará — não mais com a espada da palavra ou a ira da fé, mas com a serenidade de quem enfim compreendeu que todos os caminhos sinceros conduzem ao mesmo Pai. E quando isso acontecer, talvez o antigo reformador encontre entre os filhos de Israel os irmãos que um dia combateu, agora unidos na construção do Reino de Deus sobre a Terra.

E é justamente à luz dessa compreensão espiritual que se faz necessário um apelo aos nossos dias: o povo hebreu — que por séculos suportou perseguições, humilhações e o terror do extermínio — não pode, agora, repetir o ciclo que um dia o feriu. O sofrimento que marcou sua história deveria ser o fundamento da compaixão, não o combustível da violência. Transformar a dor em arma é negar o sentido sagrado da própria existência.

Hoje, diante do cenário de destruição e morte em Gaza, é impossível calar. O povo que recebeu de Deus a missão de guardar a fé não pode converter-se em instrumento de aniquilação. Onde houve choro, que surja misericórdia; onde houve cativeiro, que floresça justiça. A verdadeira vitória de Israel não será militar, mas moral — quando provar ao mundo que a fé em Jeová é também amor pela vida de todos os povos.

Porque, se o povo hebreu, tão massacrado ao longo da história, se permite agora tornar-se exterminador de outros povos, concretiza-se a triste profecia humana: o sonho do oprimido é tornar-se opressor. Que a lembrança do passado desperte a responsabilidade do presente. 

Que a fé, que sustentou um povo no deserto, seja agora o caminho da reconciliação. E que o Cristo, espírito soberano da Terra, inspire a todos — judeus, cristãos e muçulmanos — a única reforma que realmente importa: a do coração.

Porque o Cristo não pertence ao cristianismo.
Ele pertence à humanidade inteira.



Regih Silva

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