31 de dezembro de 2011

Reflexão


Meus filhos em Deus, que a paz do Senhor esteja com todos nos trabalhos de hoje e de sempre.

O ano se encerra e, neste ensejo, devemos todos nós fazer uma espécie de exame de consciência, para avaliarmos o que fizemos dos 365 dias do ano.

Que fizemos também dos tantos outros dias que tivemos em nossas existências?

Conseguimos vencer um só dos nossos impulsos? Dobrar uma só dessas paixões?

Se as respostas forem negativas, não nos assustemos; tanto vale a tentativa em direção ao bem.

Não esqueçamos, porém, que a toda hora somos chamados a trabalhar, a toda hora somos alertados sobre as coisas do Senhor.

Não deixemos para os últimos dias, não releguemos à velhice as nossas obrigações, as orações e modificações, pois quem vos dirá quando chegará esse momento?

Cuidemos agora de ampliar os trabalhos, intensificar as lutas, orar, abrindo as portas dos nossos corações para o AMOR.

Que as mãos se transformem em cornucópias, despejando benefícios aos que nos procuram; àqueles esquecidos por todos, aos leprosos, cancerosos, órfãos, aos velhos, aos pobres que jazem nas ruas.

Orai pelos que não desejam nascer de novo, temerosos dos sofrimentos que enfrentarão.

Orai neste ano que se inicia,traçando metas,envidando esforços.

Que a luz Divina se derrame sobre todos vós, que as estrelas brilhando iluminem como via lácteas de amor, inundando vossos corações e mentes, neste caudal de caridade e compaixão que vem do Cristo.

Que Deus, nosso Pai, e Maria abençoem esta Casa, templo de trabalho, oração, e de estudos.

Miguel Vives.




Conversa com Jesus - Chico Xavier

30 de dezembro de 2011

ALAMAR RÉGIS - O VERDADEIRO ESPÍRITA É... E MAIS... O BISPO E O PADRE ESPÍRITAS:

A lenda da Caridade



Diz interessante lenda do Plano Espiritual que, a princípio, no mundo se espalham milhares de grupos humanos, nas extensas povoações da Terra.

O Senhor endereçava incessantes mensagens de paz e bondade às criaturas, entretanto, a maioria de desgarrou no egoísmo e no orgulho.

A crueldade agravava-se, o ódio explodia...

Diligenciando solução ao problema, o Celeste Amigo chamou o Anjo Justiça que entrou, em campo e, de imediato, inventou o sofrimento.

Os culpados passaram a resgatar, os próprios delitos, a preço de enormes padecimentos.

O Senhor aprovou os métodos da Justiça que reconheceu indispensáveis ao equilíbrio da Lei, no entanto, desejava encontrar um caminho menos espinhoso para a transformação dos espíritos sediados na Terra, já que a dor deixava comumente um rescaldo de angústia a gerar novos e pesados conflitos.

O Divino Companheiro solicitou concurso ao Anjo Verdade que estabeleceu, para logo, os princípios da advertência.

Tribunas foram erguidas, por toda parte, e os estudiosos do relacionamento humano começaram a pregar sobre os efeitos doma ledo bem, compelindo os ouvintes à aceitação da realidade.

Ainda assim, conquanto a excelência das lições propagadas repontavam dúvidas em torno dos ensinamentos de virtude, suscitando atrasos altamente prejudiciais aos mecanismos da elevação espiritual.

O Senhor apoiou a execução dos planos ideados pelo Anjo da Verdade, observando que as multidões terrestres não deveriam viver ignorando o próprio destino.

No entanto, a compadecer-se dos homens que necessitavam reforma íntima sem saberem disso, solicitou cooperação do Anjo do Amor, à busca de algum recurso que facilitasse a jornada dos seus tutelados para os Cimos da Vida.

O novo emissário criou a caridade e iniciou-se profunda transubstanciação de valores.

Nem todas as criaturas lhe admitiam o convite e permaneciam, na retaguarda, matriculados ns tarefas da Justiça e da Verdade, das quais hauriam a mudança benemérita, em mais longo prazo, mas todas aquelas criaturas que lhe atenderam as petições, passaram a ver e auxiliar doentes p obsessos, paralíticos e mutilados, cegos e infelizes, os largados à rua e os sem ninguém.

O contato recíproco gerou precioso câmbio espiritual.

Quantos conduziam alimento e agasalho, carinho e remédio para os companheiros infortunados recebiam deles, em troca, os dons da paciência e da compreensão, da tolerância e da humildade e, sem maiores obstáculos, descobriram a estrada para a convivência com os Céus.

O Senhor louvou a caridade, nela reconhecendo o mais importante processo de orientação e sublimação, a benefício de quantos usufruem a escola da Terra.

Desde então, funcionam, no mundo, o sofrimento, podando as arestas dos companheiros revoltados: a doutrinação informando aos espíritos indecisos quanto às melhores sendas de ascensão às Bênçãos Divinas; e a caridade iluminando a quantos consagram ao amor pelos semelhantes, redimindo sentimentos e elevando almas, porque, acima de todas as forças que renovam os rumos da criatura, nos caminhos, humanos, a caridade é a mais vigorosa, perante Deus, porque é a única que atravessa as barreiras da inteligência e alcança os domínios do coração. 



Meimei.

29 de dezembro de 2011

Rápida passagem





 
Conta-se que no século passado, um turista americano foi à cidade do Cairo, no Egito. Seu objetivo era visitar um famoso rabino.
O turista ficou surpreso ao ver que o rabino morava num quarto simples, cheio de livros. As únicas peças de mobília eram uma mesa e um banco.
Onde estão os seus móveis? Perguntou o turista.
E o rabino bem depressa perguntou também:
Onde estão os seus?
Os meus? Disse o turista. Mas eu estou aqui de passagem.
Eu também. Falou o rabino. 

A vida na Terra é somente uma passagem. No entanto, vivemos como se fôssemos ficar aqui eternamente.
A grande preocupação é amontoar coisas. São casas na cidade, na praia, no campo, no Exterior.
Vários carros de cores, marcas e potências diferentes, para ocasiões diversas. Inúmeras roupas, dezenas de calçados, prédios, terrenos, joias. Quanto mais se possui, mais se deseja.
Justo que o homem anseie pela casa confortável, vestimenta adequada à estação, boa alimentação.
Tudo isso faz parte da vida material. São coisas necessárias para nos manter e podermos gozar de relativa segurança.
Entretanto, por que ajuntar tantas coisas, utilizando um tempo enorme em trabalho constante, sem nos preocuparmos com a vida do Espírito?
De um modo geral, afirmamos que não temos tempo para orar, para ler e estudar a respeito do mundo espiritual, do porquê nascemos e vivemos.
Nossa preocupação é exclusivamente no campo profissional, para ter sucesso, ganhar sempre mais.
Essa maneira de pensar é tão forte em nós que, ao auxiliarmos nossos filhos a se decidirem por essa ou aquela profissão, costumeiramente sugerimos que eles escolham a mais rendosa. Aquela profissão que, num tempo muito curto, trará excelente retorno.
Preocupamo-nos com as notas da escola, com seu desempenho nos esportes, nas artes.
Tudo muito correto! Mas, e quanto ao Espírito? Quando teremos tempo para lhes falar de Deus, da alma, de Jesus, da lei de amor?
Quando nós mesmos teremos tempo para frequentar um templo religioso? Para ajuntar tesouros espirituais, trabalhando as virtudes em nós?
Lembremos que a vida no corpo é uma passagem apenas.
Vivamos bem mas, de forma sábia, também cultivemos as coisas do Espírito, preparando a nossa vida para além da tumba.
*   *    *
A vida espiritual é a verdadeira vida. A vida terrena é breve e tem por objetivo o progresso do Espírito.
Estamos na Terra exatamente como alguém que chegasse de um lugar distante, parasse em uma determinada estação, ali permanecesse por um tempo e, depois, tomasse a condução de volta ao ponto de origem.
Assim são as nossas idas e vindas da Pátria espiritual para a Terra e daqui para lá.
Por esse motivo asseverou Jesus na parábola do homem que encheu os seus celeiros e se preparou para aproveitar tudo, ao máximo: Louco. Ainda esta noite a morte virá te buscar a alma.

Redação do Momento Espírita, com base em conto do
 livro Histórias da alma, histórias do coração, de Christina
 Feldmann e Jack Kornfield, ed. Pioneira.
Disponível no livro Momento Espírita, v. 2, ed. Fep.
Em 28.12.2011.

26 de dezembro de 2011

O Macebo Rico.




Ele era um jovem abastado. Herdara dos pais um palácio que se erguia na colina de Acra. Seus servos o amavam e serviam com lealdade, atendendo-lhe todos os desejos.

Habituara-se a dormir em seu leito de ébano e marfim, onde se permitia devaneios e dava vazão a muito sonhos.E quantos sonhos tinha! Amava as corridas de bigas, quadrigas, ansiava pela ovação do povo, que o conduzia quase ao êxtase.Via-se, por entre a multidão, recebendo flores aos pés e seu nome aclamado repetidas vezes.

Possuía taças de rica ornamentação, nas quais bebia os vinhos gregos e latinos, louros e rubros como as auroras. Tinha arcas abarrotadas de pedras raras, diamantes, rubis, safiras e pérolas sem conta. Era detentor de rebanhos e de muitas vinhas. Em Betânia, possuía outro palácio, onde costumava receber amigos para festas.

Cuidava do corpo com massagens de óleos e unguentos raros. Vestia-se com tecidos de linho leve. Nele, tudo respirava juventude, beleza e glória. Entretanto, embora parecesse nada lhe faltar, sentia sede de paz. Vazio estava o coração. Vez ou outra, a melancolia o abraçava. É como se depois das vitórias, dos banquetes e das honrarias, o mármore, o marfim, as jóias, tudo lhe soasse frio, gélido. Ansiava pela paz.

Como conquistá-la? Onde buscá-la? Naquele cair de tarde, quase noite, em que os raios de luar já dançavam sobre a Terra, o príncipe procurou o Rabi. Jesus acabara de abençoar as crianças, quando o moço rico se aproxima.

O Encontro singular lembrava um eclipse solar ao nascer do sol. O vale prostra-se aos pés da imponente montanha e cheio de ansiedade, indaga:

Bom mestre, que bem devo praticar para alcançar a vida eterna? 

E o diálogo deve ter prosseguido mais ou menos assim:

Por que me chamas bom? Bom somente o Pai o é. À tua pergunta, respondo: cumpre os mandamentos, isto é, não adulterarás, não matarás, não furtarás, não dirás falso testemunho, honrarás teu pai e tua mãe.

Tudo isso tenho observado em minha mocidade. No entanto, sinto que não me basta. Surdas inquietações me atormentam. Labaredas de ansiedade me consomem.
Faltava-me algo!

Então - propõe-lhe a Luz -  vende tudo quanto tens, reparte-o entre os pobres. Vem, e segue-me!

A proposta o penetrou como um punhal afiado. Onde já ouvira aquela voz? Não lhe parecia desconhecida. E aquele olhar que o fitava, cujos olhos mais pareciam duas estrelas engastadas na face pálida que o fitavam?! Que doce magnetismo. A ordem, a meiguice daquele homem ecoava em seu espírito. Ele era uma águia que desejava alcançar as alturas. E o Rabi lhe dizia como utilizar as asas para voar mais alto. O rapaz ficou mudo por alguns instantes. Suas mãos frias revestiam-se de suor. Os lábios pareciam selados.

 Por fim,  vencendo a própria resistência, murmurou:

Senhor, deixa antes que eu vá competir em Cesaréia. Disputarei os jogos... Colherei os louros da vitória para Israel. Voltarei depois...
Não posso esperar, foi a resposta. Hoje é o momento para ti. Esta é a hora. Nem amanhã, nem mais tarde.
Agora, o jovem parece conseguir desembaraçar as idéias e explica, num jorro de palavras:

Adquiri recentemente aos partas quatro cavalos soberbos, brancos, velozes como dardos. Paguei uma fortuna por eles, o preço de uma casa, setecentos denários! Conduzirão minha quadriga no circo, nos próximos dias, em Cesaréia. Guardo a certeza que serei vencedor, porque também contratei escravos que me adestraram. Mestre, compreendes o que é tudo isto? Não temo dar o que tenho: dinheiro, ouro, gemas, propriedades, títulos.

A voz do Divino Pastor o interrompe:

Dá-me a ti próprio e eu te oferecerei a ventura sem limite.

Eu quero, mas...

Pela sua mente em turbilhão, passaram as cenas das glórias que conquistaria. Os amigos confiavam nele. Tantos esperavam a sua vitória. Israel seria honrada com seu triunfo.

Sim, ele podia renunciar aos bens de família, mas ao tesouro da juventude, às riquezas da vaidade atendida, os caprichos sustentados...? Seria necessário renunciar a tudo?
A águia desejava voar, mas as asas estavam quebradas...
Recorda-se o jovem que os amigos o esperam na cidade, para um banquete previamente agendado. Num estremecimento, se ergue:

Não posso! - murmura. Não posso agora. Perdoa-me.

E afastou-se a passos largos. Subindo a encosta, na curva do caminho, ele se deteve. Olhou para trás. vacilou ainda uma vez.

A figura do Mestre se desenha na paisagem, aos raios do luar. Luz. Indecisa, a alma do moço parece um pêndulo oscilante. A águia ainda tenta alçar o vôo. O peso do mundo a retém no solo. Ele se decide. Com passos rápidos, quase a correr,  desaparece na noite.

Os evangelistas Mateus, Marcos e Lucas narram o episódio e dizem de como ele se retirou triste e pesaroso. Nem poderia ser diferente: fora-lhe dada a oportunidade de se precipitar no oceano do amor e ele preferira as areias vãs do mundo.

Uma semana depois, preparavam-se as bigas e quadrigas para a importante competição em Cesaréia. As trompas e as fanfarras anunciam as festas públicas. Apostas são feitas sobre as mesas dos cambistas. Os ases, as preferências, as cores.

Tudo fala de triunfo, alegria. Ao sinal convencionado, sob estrondosa ovação, partem os corcéis fogosos, puxando os carros e seus condutores.

Chicotes estalam no ar, mãos firmes nas rédeas, suores, ansiedade. E então, na tarde poeirenta, numa manobra infeliz, a quadriga vira, um corpo tomba e os cavalos, em disparada, despedaçam-no.

A corrida prossegue. O povo elege logo outro para honrar, o vencedor. O moço sente a vida se lhe esvair. O sangue empapa o solo. Os escravos o acodem, retiram-no da pista.

Ele não mais distingue as pessoas. O vozerio da turba parece distante, inalcançável. Uma névoa o envolve. Abandona o corpo estraçalhado, sem vida.

Dois braços amigos o acolhem. Na acústica da alma, ele ainda escuta: Vem e segue-me. Hoje... Não posso esperar.

A águia demoraria um tempo maior para alçar o vôo às alturas que sonhava. Os séculos se dobrariam. O moço rico retornaria muitas vezes ao cenário do mundo até conseguir o seu intento.


Bibliografia:

01.FRANCO, Divaldo Pereira. O mancebo rico. In:___. As primícias do reino. Pelo Espírito Amélia Rodrigues. Rio de Janeiro: Sabedoria, 1967.

02.ROHDEN, Huberto. O jovem rico. In:___. Jesus Nazareno. 6. ed. São Paulo: União Cultural. v. II, pt. 2, cap. 130.

03.SALGADO, Plínio. Motivos do moço rico. In:___. Vida de Jesus. 21. ed. São Paulo: Voz do Oeste, 1978. cap. 52.


22 de dezembro de 2011

QUEM SOU EU?







Conta-se que, ao atravessar uma fase particularmente difícil de sua existência, Teresa de Ávila ter-se-ia queixado docemente ao Senhor, ouvindo, em resposta, uma voz misteriosa que lhe dizia ser assim que Deus trata aqueles a quem ele ama.

- "e por isso - responde Teresa, conformada, mas dolorida - que ele tem tão poucos amigos."

A tribulação do justo e do bom sempre foi um grave problema filosófico e moral. Por que sofre a criatura que tanto se empenha nas tarefas do bem, que se recolhe ao silêncio da renúncia, que se esforça por servir em lugar de ser servida, que sonha, como o amado Francisco, em se tornar dócil instrumento da vontade do pai? Por quê?

A doutrina dos espíritos nos trouxe explicações lógicas e indiscutíveis, ao ensinar que a dor é a moeda difícil de ganhar, com a qual resgatamos compromissos vencidos de há muito, os quais a bondade infinita de deus não permitiu fossem a protesto. A cobrança é sempre amigável, se nos dispomos, honestamente, ao resgate, ainda que, às vezes, possamos estranhar as circunstâncias sob as quais ele se realiza. Por que, por exemplo, tudo nos parece tão difícil?

Por que parece termos ficado abandonados à nossa própria sorte, sem a presença amiga de nossos mentores? A verdade é que não estamos sós, nem nos faltam recursos pata a tarefa regeneradora.

Nem a pena é superior à culpa, nem nossas forças inferiores às necessidades. Tudo está na medida certa.

Só a impaciência continua impaciente; a revolta, revoltada. E, por isso, aquele que segue sob o peso da dor, mas sereno, parece um ser estranho, insensível e incompreensível.

Diante de questões como essas, que se transformam em objeto de penosas especulações no cérebro privilegiado dos sábios, outros sempre encontraram respostas. Como disse Jesus, deus jamais ocultou a verdade aos simples e humildes. Veja bem que ele disse simples e humildes, e, não, ignorantes, pois o ignorante também pode ser orgulhoso, e o sábio pode ser humilde.

Não é difícil encontrar no evangelho a explicação que o próprio mestre antecipou ao ensinamento que o consolador haveria de trazer no futuro, segundo suas próprias observações. João registra essa palavra, em particular no capítulo 15, versículos 18 e 19:

- "se o mundo vos odeia, sabei que me há odiado antes de vós. se fôsseis do mundo, o mundo amaria o que é seu, mas como não sois do mundo, porque vos retirei do mundo, por isso o mundo vos odeia."

Nada mais claro e profundo, verdadeiro e preciso. Em primeiro lugar, o mestre parece advertir por antecipação os que ficarem na dura liça terrena. Ele sabe que a luta não vai ser fácil. Quando falou que veio trazer a espada e a discórdia, não era porque sua doutrina fosse belicosa ou desarmonizada, mas porque aquele que deseja implantar, num mundo hostil, a verdade suprema do amor, não pode esperar que a semente generosa caia em terreno fértil e receptivo.

Muitas espadas se levantarão contra a disseminação da paz, e a dissensão será levada até mesmo ao recesso dos lares, quando a mãe pacificada sofrer com o filho belicoso, ou a filha amorosa derramar lágrimas ocultas ante o pai agressivo. Como, porem realizar a evangelização do mundo se não misturar os que já entreviram a luz com aqueles que tateiam nas trevas? Se os desesperados ficassem entregues ao seu desespero, jamais encontrariam o caminho que pode levá-los para fora daquele dédalo de paixões em que se perderam. Quem vai buscá-los, senão os que já aprenderam a sair de lá?

São esses os que Jesus retirou do mundo. Ao retirá-los e investi-los das tarefas salvadoras, embora humildes, marcou-os como selo indelével do amor, e o mundo que não mais os reconhece como seus, hostiliza-os abertamente. Se continuassem entregues ao mundo, seriam tolerados e até amados. Que não se impressionem, no entanto, lembra o senhor, porque, antes de cada um de nós, ele próprio - que também não é do mundo - sofrera o mesmo ódio, os mesmos rancores, as mesmas aflições. Ele que nada tinha a resgatar. Aqueles a quem distinguiu com a sua marca concedeu não apenas o privilégio de servir, mas também o de se redimirem

E, assim, nossa atitude diante da dor deve ser de respeito, de serenidade e de esperança. Estamos recebendo o salário justo, com o qual compraremos o tesouro da liberdade e da paz, aprendendo a conviver com a verdade. Não nos disse ele que uma vez conhecida a verdade estaríamos livres? e assim mesmo. Depois do erro clamoroso, atormentado pela voz implacável da consciência. Muitos são os que buscam fugir de si mesmos, num contínuo processo de alucinação. Quanto maiores às loucuras, mais forte a dose de anestesia espiritual que procuram ingerir. A dor alheia é um dos ingredientes desse veneno que a ciência ainda não identificou. Enquanto fazemos os outros sofrerem, vivemos a trágica ilusão de que a nossa dor se atenua. Terrível ilusão: ela apenas se acovarda e se recolhe às profundezas do ser, de onde emergirá um dia, incontrolável, avassaladora, ao soar à hora do despertamento.

Por outro lado, se a dor não é de resgate e sim sacrificial, tanto melhor. Não é mais belo sofrer por amor, para servir, do que sofrer sob o aguilhão da culpa?

Pensamento do cristo. No texto de João, não distingue aqueles que já estariam redimidos dos que ainda trazem o peso do erro; mas, que importa? Se ele nos chamou, nos separou do mundo, é porque confiou em nós, é porque nos entregou a tarefa da disseminação da esperança. Não é bom saber que a qualquer um de nós ele confia, a sua mensagem de amor, até aos pobres e rotos trabalhadores como nós? E bastante que identifique em nós um átomo de boa vontade, um pequenino impulso no desejo de servir. E preciso que nos lembremos disso ao transmitirmos canhestramente o recado de mais alto. Peçamos aos companheiros que nos ouvem, que nos vigiam, que nos odeiam, que nos desprezam que prestem atenção à beleza da mensagem e não aos andrajos do arauto. Não ao mensageiro, mas à própria essência da palavra que ele traz.

E por isso que a doutrina abençoada dos espíritos nos previne, a cada instante, que não podemos cruzar os braços ante nossas próprias limitações, ou quando nos sentimos fustigados pela dor e pela incompreensão.

Se insistíssemos em esperar a purificação e o equilíbrio para, então, começar a tarefa, nunca ela seria iniciada, e nunca alcançaríamos os primeiros estágios da purificação. Pode ser um belo sinal de humildade dizer ante a tarefa espírita:

-Quem sou eu?

Mas é também falsa modéstia, vaidade mal escondida, comodismo pernicioso a falar por nós, e em nós.

Sim, quem sou eu, é verdade, mas mãos à obra, que o trabalho aí está, não apenas nos outros, mas, principalmente, no território agreste do nosso íntimo, à espera de sacrifícios e renúncias anônimas.

E quando a dor nos sacudir mais fortemente do que desejaríamos ou esperávamos, lembremos daquela advertência imortal:

-... "sabei que (o mundo) me há odiado antes de vos”

E graças daremos a deus, por sermos alguns daqueles poucos amigos que ele tem.



Fonte:Livro:Candeias na noite escura. Por: João Marcus-(Pseudônimo de Hermínio C. Miranda)