Há seres que caminham na Terra com os olhos voltados para o Céu. Gilberto Gil, aos 83 anos, é um desses espíritos que sempre cantaram a vida com a alma afinada na eternidade. Desde cedo, revelou, em suas composições e atitudes, uma relação serena e respeitosa com a morte — não como um fim, mas como um retorno. Suas letras, longe do desespero materialista, respiram espiritualidade.
Na canção “Então Vale a Pena Viver”, eternizada
pela voz única de Simone, há um sopro de transcendência. Cada verso nos recorda
que o valor da existência está nos pequenos gestos, no agora vivido com
plenitude. Já em “Quem Tem Medo da Morte”, o próprio Gil canta sem medo, quase
como um espírito já liberto da carne, nos dizendo que o fim do corpo não é o
fim da vida. Ele nos convida a desfazer o pavor que ainda nos prende às ilusões
da matéria, lembrando que a morte é tão natural quanto o nascer.
Mas foi no campo do testemunho silencioso que
o cantor mais recentemente nos ofertou uma lição de grandiosidade espiritual.
Após já ter enfrentado, em 1990, a dolorosa perda de seu filho Pedro em um
trágico acidente, Gil agora se despediu de sua amada filha, Preta Gil, que
partiu em 20 de julho de 2025, aos 50 anos, após longa batalha contra o câncer.
Como homem, chorou. Como pai, sofreu. Mas como
espírito desperto, agiu com fé e resignação.
No hospital, diante da filha acamada e
exausta, ele disse algo que só os espíritos verdadeiramente libertos da prisão
do ego poderiam dizer:
“Se estiver sendo muito difícil para você e se
for sua hora, aceite. Se estiver muito pesado pra você, vai, se deixa ir,
porque é muito ruim viver esse incômodo, e lutando dessa forma que você tá
lutando.”
E ainda:
“Filha, a natureza é sábia. Somos parte dela e vamos voltar pra ela, isso faz
parte da vida.”
Essas palavras não foram de abandono. Foram de amor espiritual, de profundo
respeito ao tempo de Deus. Gil reconhecia ali que há uma hora em que o amor
verdadeiro não pede permanência, mas liberação.
É nesse ponto que o Espiritismo se manifesta
com sua beleza consoladora. Allan Kardec nos ensina que a vida corpórea é
apenas uma estação de aprendizado, e que a verdadeira pátria do espírito é a
espiritualidade. Gil, talvez sem usar essas palavras, compreende isso. E
ofereceu à filha a liberdade de seguir adiante, caso fosse chegada a hora.
Após sua desencarnação, Francisco Gil, neto de
Gil e filho de Preta, revelou outra pérola dita pelo avô:
“Que agora venham os 50 bilhões de anos…”
Que sejamos inspirados por esse testemunho.
Que saibamos cantar, como Gil, que “vale a pena viver”, mesmo em meio à dor. E
que não temamos a morte, pois ela não é um abismo — é uma ponte.
A música que Gil entoa com sua existência não
é só arte. É doutrina de luz, ensinando que os laços de amor não terminam no
túmulo. Pelo contrário: se aprofundam, se depuram e, um dia, nos reconduzem ao
reencontro.
A dor passa. O espírito fica.
A saudade fere. Mas o amor cura.
E o Céu, com certeza, está em festa, pois acolheu mais uma estrela, enquanto outra, aqui na Terra, segue brilhando e cantando por nós.