Escolhemos
para falar hoje não só por ele ter sido médico e espírita, mas
principalmente pela sua vida na Terra ter sido um modelo. Adolfo Bezerra
de Menezes foi conhecido em seu tempo com o Médico dos Pobres. Isto
porque ele fazia mais do que ouvir o paciente e prescrever um
receituário com remédios homeopáticos (ele foi um médico homeopata). Ele
sofria também com o sofrimento de seus pacientes. Era todo amor e
bondade, alimentava sempre o desejo de ser útil e procurava a todo
instante arrancar de seu interior os maus instintos naturais e
substituí-los pelas virtudes cristãs.
Uma vez escreveu sobre a maneira de proceder do verdadeiro médico,
dizendo: O médico verdadeiro não tem o direito de acabar a refeição, de
escolher a hora, de inquirir se é longe ou perto. O que não atende por
estar com visitas, por ter trabalhado muito e achar-se fatigado, ou pôr
ser alta noite, mau o caminho ou o tempo, ficar longe, ou no morro; o
que sobretudo pede um carro a quem não tem com que pagar a receita, ou
diz a quem chora à porta que procure outro - esse não é médico, é
negociante de medicina, que trabalha para recolher capital e juros dos
gastos da formatura (...).1,2
E realmente, Bezerra foi capaz de demonstrar na sua vida que
realmente praticava seus ideais de amor cristão para com seus
semelhantes. Conta-se que numa tarde, depois de haver vivido um dia
cheio na sua tarefa crista, em que consolou e esclareceu, medicou e
apaziguou infinidades de irmãos, chegou ao Lar sentindo-se cansado e
preocupado, tanto mais que sua filha Evangelina, apelidada de Nhanhan,
achava-se febril, abatida, desassossegada.
Descansa, depois de haver tomado seu banho e jantado, quando, à sua
porta chega uma senhora aflita e lhe pede, entre soluços, em nome de
Jesus, para ir ver sua filhinha que se achava febril, abatida,
desassossegada. Bezerra se comove com as lágrimas maternais. Pensa na
sua filha também doente, a quem dera assistência e de cuja enfermidade
não encontrava a causa. Sente-se também cansado e com as pernas
inchadas.
Mas a irmã a sua frente era um estátua viva de dor e aflição e o
chamava em nome de Jesus! Não podia desatendê-la. E diz para sua querida
esposa, que o observava atenta e também aflita, procurando adivinhar
sua solução e pedindo-lhe, pelo olhar, que não fosse:
- Minha filha ficará sob os cuidados de Jesus. E, em Seu nome, vou cuidar de outra filha. Até já.
E segue com a mãe aflitiva. Sobe e desce morros. Depois de caminhada
exaustiva, chega. Realiza sua tarefa, medicando a doentinha, dando-lhe
passes, receitando-lhe alguns medicamentos e colocando-lhe à mesa algum
dinheiro. E sai, deixando a doente melhor e a mãe consolada e
agradecida, a dizer-lhe: Vá com Deus, Dr. Bezerra! Que Deus lhe pague o
bem que me fez! Que possa encontrar sua filha melhor!
Chega ao lar tarde da noite. Encontra tudo aquietado. E, receoso,
pensando haver a filha piorado e até desencarnado, entra às pressas. E
encontra a esposa dormindo numa cama, e, noutra, sua Filha também
dormindo e sem febre...
Ali mesmo, em silêncio, ajoelha a alma e agradece ao Divino Mestre
por lhe haver sentido o testemunho e medicado a filha, aquela que, mais
tarde, em plena primavera de seus 18 anos, seria chamada à
espiritualidade para ser, de mais alto, seu anjo e seu estímulo.1
Podemos ver que Bezerra de Menezes era mais do que um simples médico
chegando-se mesmo a pensar se as curas que operava se deviam aos
remédios homeopáticos que ministrava ou eram resultado dos fluidos
energéticos de amor que emanavam a todo instante de sua alma. Ele
receitava pelos lábios e pela pena. Pelos lábios: conselhos, vestidos de
emoção e ternura, acordando nos consulente o Cristão que dormia; pela
pena, homeopatia, água fluídica e passes. E finalizava pedindo que cada
um tivesse às mãos, no lar, o Grande Livro, o Evangelho Segundo o
Espiritismo, que o lesse com alma, com sinceridade e confiança no seu
Autor, Jesus Cristo! E como os resultados eram promissores, cada doente
deixava seu consultório satisfeito, melhorado pois que havia deixado lá
dentro o seu peso, a sua tristeza, algo que o oprimia.1
Escreveu-nos uma vez Joaquim Murtinho também médico homeopata e
operador de muitas curas maravilhosas: os ensinamentos da fé constituem
receituário permanente para a cura positiva as antigas enfermidades que
acompanham a alma, século trás século (...) Se o homem compreendesse que
a saúde do corpo é reflexo da harmonia espiritual, e se pudesse
abranger a complexidade dos fenômenos íntimos que o aguardam além da
morte, certo que se consagraria à vida simples, com trabalho ativo e a
fraternidade legítima por normas de verdadeira felicidade2
De uma feita, um pai de família pede-lhe, chorando, um óbolo, uma
ajuda em dinheiro para enterrar o corpo de sua esposa, que desencarnara,
deixando-lhe os filhos menores doentes e famintos. Bezerra procura algo
nos bolsos e nada encontra. Comove-se e, por intuição, desapegado das
coisas materiais, tira do dedo o anel simbólico de Médico e o entrega ao
irmão necessitado, dizendo-lhe, com carinho e humildade:
Venda-o e, com o dinheiro, enterre o corpo de sua mulher e compre o que precisa.1
Certa feita, acabada a sessão espírita, descera Bezerra de Menezes
ainda emocionado, as escadas da Federação Espírita Brasileira, quando
localizou um irmão, de seus 45 anos, cabelos em desalinho, com a roupa
suja e amarrotada.
Os dois se olharam, Bezerra compreendeu logo que ali estava um caso
todo particular para ele resolver. Oh! Bendito os que têm olhos no
coração! E Bezerra os tinha e os tem. E levou o desconhecido para um
canto e lhe ouviu, com atenção, o desabafo, o pedido:
- Dr. Bezerra, estou sem emprego, com a mulher e dois filhos doentes e
famintos... E eu mesmo, como vê, estou sem alimento e febril!
Bezerra, apiedado, verificou se ainda tinha algum dinheiro. Nada
encontrou nos bolsos. Apenas a passagem do bonde... Tornou-se mais
apiedado e apreensivo. Levantou os olhos já molhados de pranto para o
alto e, numa prece muda, pediu inspiração a Maria Santíssima, seu anjo
tutelar e solucionador de seus problemas. Depois, virando-se para o
Irmão:
- Meu filhos, você tem fé em Nossa Senhora, a Mãe do Divino Mestre, a nossa Mãe Querida?
- Tenho e muita Dr. Bezerra!
- Pois, então, em Seu Santíssimo Nome, receba este abraço.
E abarcou o desesperado Irmão, envolvente e demoradamente. E, despedindo-se, disse:
- Vá, meu filho, na Paz de Jesus e sob a proteção do Anjo da
Humanidade. E, em seu lar, faca o mesmo com todos os seus familiares,
abraçando-os, afagando-os. E confie Nela, no amor da Rainha do Céu, que
seu caso há de ser resolvido.
Bezerra partira. A caminho do lar, meditava: teria comprido seu
dever, será que possibilitara ajuda ao irmão em prova, faminto e doente?
E arrependia-se por não lhe haver dado senão um abraço. Não possuía
nenhum dinheiro. O próprio anel de grau já não estava nos seus dedos.
Tudo havia dado. Não tendo dinheiro, dera algo de si mesmo, vibrações,
bom ânimo, moeda da alma, ao irmão sofredor e não tinha certeza de que
isso lhe bastara... E, neste estado de espírito, preocupado pela sorte
de um seu semelhante, chegou ao lar.
Uma semana passara-se. Bezerra não se recordava mais do sucedido.
Muitos eram os problemas alheiros. Após a sessão de outra terça-feira,
descia as escadas da FEB. Alguém no mesmo lugar da escada, trazendo na
fisionomia toda a emoção do agradecimento, toca-lhe o braço e lhe diz:
- Venho agradecer-lhe, Dr. Bezerra, o abraço milagroso que me deu na
semana passada, neste local e nesta mesma hora. Daqui saí logo
sentindo-me melhor. Em casa, cumpri seu pedido e abracei minha mulher e
meus filhos. Na linguagem do coração, oramos todos à Mãe do Céu. Na água
que bebemos e demos aos familiares, parece, continha alimento. Pois
dormimos todos bem. No dia seguinte, estávamos sem febre e como que
alimentados... E veio-me a inspiração, guiando-me a uma porta, que se
abriu e alguém por ela saiu, ouviu meu problema, condoeu-se de mim e me
deu um emprego, no qual estou até hoje. E venho lhe agradecer a grande
dádiva que o senhor me deu, arrancada de si mesmo, maior e melhor do que
dinheiro!
O ambiente era tocante! Lágrimas caíam tanto dos olhos de Bezerra
como do irmão beneficiado e desconhecido. E numa prece muda, de dois
corações unidos, numa mesma forca gratulatória, subiu aos Céus, louvando
Aquela que é, em verdade, a porta de nossas esperanças, a Mãe Sublime
de todas as mães, a advogada querida de todas as nossas causas!
Louvada seja Maria Santíssima!1
Bezerra de Menezes foi um grande devoto de Maria Santíssima, a qual
atendia sempre a seus divinos pedidos. Era ela o seu fanal de
consolação. Na verdade, Bezerra não foi espírita desde que nasceu.
Nascera em família afortunada e católica, a 29 de agosto de 1831, em
Riacho do Sangue, na Província do Ceará. Cresceu em clima de severa
dignidade, respeito e religiosidade. Devido à sua prestimosa
inteligência, inerente a todos os espíritos superiores, distinguiu-se
nos estudos desde cedo, sendo sempre o 1o aluno de sua classe. Em 5 de
fevereiro de 1851, quando contava com 19 anos de idade, transferiu-se
para a Corte (atual Rio de Janeiro) para fazer seu curso médico. Nesta
época seu pai, homem de bom coração havia perdido a sua fortuna e não
pode ajudar seu filho financeiramente em seus estudos. Foi através de
lutas, privações e renúncias aos prazeres ilusórios do mundo, que
Bezerra conseguiu, em 1856, doutorar-se em Medicina.
Para custear seus estudos e a subsistência própria, Bezerra de
Menezes lecionava. Numa ocasião em que se achavam totalmente esgotados
os recursos, de par com a urgência de pagar o aluguel da casa e acudir a
outras necessidades inadiáveis, reclinado em sua rede, sem grandes
sobressaltos, mas seriamente preocupado com a solução do caso, dava
tratos à imaginação, em procura dos meios com que sair da dificuldade,
quando ouve bater à porta. Era um desconhecido, que vinha nominalmente
procurá-lo, e que, depois, ajustando um certo número de lições de
determinadas matérias, tira do bolso um maço de células e paga
antecipadamente o preço convencionado, ficando igualmente combinado para
o dia seguinte o início das aulas.
Bezerra reluta em receber a importância adiantada. Por fim,
lembrando-se de sua situação, resolve aceitá-la. Radiante com a
inesperada e providencial visita, Bezerra de Menezes solveu os seus
compromissos e ficou a esperar, no prazo estipulado, o novo aluno.
Mas nem no dia seguinte nem nunca mais lhe tornou este a aparecer. Foi, pois, uma visita mais misteriosa.
Intervenções da mesma natureza, posto que não revestidas de cunho
misterioso idêntico, se haviam de reproduzir no curso de sua vida,
quando, em mais de uma ocasião, faltando-lhe o necessário para as
despesas indispensáveis, longe de se perturbar, sentava-se à mesa de
trabalho e punha-se tranqüilamente a escrever. Aparecia-lhe sempre um
consulente que, atendido, lhe deixava os recursos de que necessitava e
que, com serena confiança na Providência Divina, tinha certeza de que
lhe não faltariam.2
Casou-se em 6 de novembro de 1858, aos 27 anos, com D. Maria Cândida
de Lacerda, pertencente a ilustre família. No fim de 4 anos, sua mulher
desencarna, deixando-lhe dois filhos, um de 3 anos e outro de 1 ano.
Este fato produziu em Bezerra um abalo físico e moral.
Todas as glórias mundanas que havia conquistado tornaram-se
aborrecidas. Não tinha mais prazer de ler e escrever, suas duas maiores
distrações e nada encontrava que lhe fosse lenitivo a tamanha dor.
É porque Bezerra, quando na Faculdade, na convivência de seus
colegas, na maioria ateus, esquecera-se da sua crença católica que não
fora firmada em uma fé raciocinada. Apesar disso, continuava a crer em
dois pontos da religião católica: a crença em Deus e a existência da
alma.
Um dia, um amigo seu lhe trouxe um exemplar da Bíblia, traduzido pelo
padre Pereira de Figueiredo. Bezerra tomou o livro sem o intuito de
lê-lo, mas folheando-o começou a ler e esqueceu-se nesta tarefa. Leu
toda a Bíblia e percebeu que algo de estranho se passava em seu
interior. Quando acabou, tinha a necessidade de crer novamente, mas não
nesta crença imposta à fé, mas numa outra firmada na razão e na
consciência. Atirou-se então à leitura dos livros sagrados, com ardor e
sede. Mas havia sempre uma falha a que seu espírito reclamava.
Começaram a aparecer as primeiras notas espíritas no Rio de Janeiro.
E, apesar de ouvir sobre esta nova Doutrina, Bezerra repelia-a sem
conhecê-la, pois temia que ela perturbasse a paz que lhe trouxera ao
espírito a sua volta à religião.
Um dia, porém, seu colega Dr. Joaquim Carlos Travassos, tendo
traduzido o Livro dos Espíritos de Allan Kardec, presenteou-o com este
livro. E tal como acontecera com a Bíblia, prendeu-se neste livro,
lendo-o todo. Operou-se nele um fenômeno estranho. Ele sabia que nunca
havia lido qualquer obra espírita, no entanto, tudo o que lia não era
novo para seu espírito. Ele sentia como se já tivesse lido e ouvido tudo
aquilo. São as lembranças da alma.
Foi assim que Bezerra de Menezes tornou-se espírita.
No entanto, assim com Allan Kardec com seu espírito crítico e
observador não se deu logo a acreditar em todos os fenômenos ditos
espíritas e iniciou, intimamente uma pesquisa experimental para
comprovar os preceitos desta nova doutrina. Foi assim que surgiram em
sua vida 3 casos que o surpreenderam muito. Vou relatar aquele que mais o
impressionou e que, como ele mesmo relatou, se ainda fosse incrédulo,
não poderia resistir à impressão que deixou em si semelhante fato. Eu
estava em tratamento com o médium receitista Gonçalves do Nascimento, e
este costumava mandar-me os vidros, logo que eu acabava uma prescrição,
por um primo meu, estudante de preparatórios, que morava em minha casa,
na Tijuca, a uma hora de viagem da cidade.
Meu primo costumava, sempre que me trazia os remédios (homeopáticos)
da casa do Nascimento, entregar-me os vidros em mão, e nunca, durante 3
meses que já durava meu tratamento, me trouxe do médium recado por
escrito, senão simplesmente os vidros de remédios, tendo no rótulo a
indicação do modo pelo qual devia ser tomado.
Um dia, deixei de ir à Câmara dos Deputados, de que fazia parte, e,
pelas duas horas de tarde, passeava, na varanda, lendo uma obra que me
tinha chegado à mãos, quando me apareceu um vizinho, o Sr. Andrade
Pinheiro, filho do Presidente da Relação de Lisboa, e moço de
inteligência bem cultivada.
O Sr. Pinheiro não conhecia o Espiritismo, senão de conversa, e como
eu fazia experiência em mim, ele aproveitava a minha experiência, para
fazer juízo sobre a verdade ou falsidade da nova Doutrina.
Depois dos primeiros cumprimentos, perguntou-me como ia eu com o tratamento espírita.
Respondi-lhe com estas palavras: Estou bom; sinto apenas uma dorzinha
nos quadris e uma fraqueza nas coxas, como quem está cansado de andar
muito.
Conversamos sobre o fato de minha cura em três meses, quando nada
alcancei com a medicina oficial, em cinco anos, e passamos a outros
assuntos, até que, uma hora pouco mais ou menos depois, entrou meu primo
com os vidros de remédios e com um bilhete, escrito a lápis, que me
mandava Nascimento, e que dizia:
Não, meu amigo, não estás bom como pensas. Esta dor nos quadris, que
acusas. Esta fraqueza das coxas, são a prova de que a moléstia não está
de todo debelada. És médico e sabes que muitas vezes elas parecem
combatidas, mas fazem erupções, porventura perigosas. Tua vida é
necessária; continua teu tratamento.
É fácil compreender a surpresa, a admiração, o abalo profundo que se
produziu na minha alma um fato tão fora de tudo o que tinha visto em
minha vida. Repetiram-se, da cidade, textualmente, as minhas palavras,
como só poderia fazer quem estivesse ao alcance de ouvi-las!
Efetivamente, calculado o tempo que leva o bonde da casa do
Nascimento à minha, reconhecemos, eu e Pinheiro, que aquela resposta me
fora dada na cidade, precisamente à hora em que eu respondia, na Tijuca,
à interpelação de meu visitante.2
A data de 16 de agosto de 1866 tornou-se memorável na História do
Espiritismo no Brasil, por um acontecimento que, nos meios políticos,
religiosos e médicos, ecoou de maneira estrondosa, causando mesmo
surpresa e desapontamento para muitos, principalmente para os da classe
médica. É que, numa das costumeiras tertúlias que então se realizavam no
grande salão da Guarda Velha, em que compareceram cerca de 2 mil
pessoas da melhor sociedade, Bezerra de Menezes, então presente, pedindo
a palavra, proclamou solenemente a sua adesão ao Espiritismo. Essa sua
filiação à nova corrente religiosa foi como uma transfusão de sangue
novo para a Doutrina no Brasil, a qual daí por diante entrou em ritmo
mais acelerado.1
Em 1895, em meio a divergências havidas na FEB, e como obteve a
maioria absoluta dos votos, Bezerra de Menezes tornou posse da
presidência da FEB. Durante toda a sua presidência (1895-1900) trabalhou
ativamente e com muito ardor no propósito de congraçar os espiritistas,
e jamais esmoreceu na luta a bem da unificação geral, mantendo campanha
sistemática em favor do estudo da nossa Doutrina e, sobretudo, seja
pela palavra falada, seja pela palavra escrita, mostrava a completa,
integral interdependência do Espiritismo e do Evangelho. Dizia mesmo que
a pedra fundamental do Espiritismo, em sua pura concepção, era o
Evangelho. Sem ele a Terceira Revelação não subsistiria e jamais se
agigantaria nas consciências humanas.
Não obstante sua mansuetude, seu espírito fraternista, por
excelência, pronta e decididamente saía à liça, como um leão, quando o
Espiritismo era atacado, disposto a derrubar o inimigo, com as armas de
sua inteligência, de sua dialética, de seus conhecimentos e de sua
indômita coragem. Bezerra era um profundo conhecedor das ciências da
vida e um filósofo por excelência. Nessas lutas, pouco se lhe dava que
seus contendores ocupassem altos postos na política ou na administração
pública, que gozassem do maior prestígio dos poderosos. Colocava, acima
de seus interesses pessoais, a defesa do Espiritismo, desde que ela se
fizesse necessária.2
Foi por este motivo que Bezerra de Menezes foi também intitulado de
Kardec Brasileiro, porque foi ele, quem realmente no Brasil, estava
preparado para difundir o Espiritismo pela inteligência, pela persuasão,
pelos atos e, sobretudo, pelos exemplos edificantes.
Bezerra de Menezes também teve vida política. Foi vereador, deputado
geral e até Presidente da Câmara Municipal. Durante 20 anos que esteve
envolvido com a política, Bezerra foi muito querido e odiado. Prestou
relevantes serviços ao município que o elegera e conquistou os foros de
inteligente, ilustrado, ativo e honesto.
Em 21 de janeiro de 1865 casa-se novamente com a Sra. D. Cândida
Augusta de Lacerda Machado, irmã materna de sua 1a mulher, e com quem
teve 7 filhos.
Bezerra de Menezes não fora , como alguns de seus admiradores supõem,
um despreocupado com o dia de amanhã, com a assistência à família, com o
futuro dos seus queridos entes familiares.
Sabia, como poucos, ater-se à disciplina do necessário, a desprezar o
supérfluo, a não se apegar às coisas materiais. Aceitava o pagamento
dos clientes que lhe podiam pagar e dava aos pobres e estropiados o que
podia dar, inclusive algo de si mesmo. Sua família jamais passou
necessidade. Todos seus familiares lhe tiveram a assistência permanente e
o alimento espiritual de sus bons exemplos. Preocupava-se com o futuro
de seu Espírito e dos Espíritos daqueles que o Pai lhe confiou.
E tudo corria bem, as dívidas eram pagas pontualmente, nenhum
compromisso deixava de ser cumprido, os filhos eram educados
cristãmente. Jesus morava em seu lar e dentro de seu coração e dos
corações de seus queridos entes familiares, norteando-lhes a existência e
fazendo-a vitoriosa.
Numa manhã, no entanto, houve no lar uma apreensão. A dispensa estava
vazia, sem víveres para o jantar. Na véspera, Bezerra havia restituído a
importância das consultas aos seus clientes pobres, porque, por
intuição, compreendera que apenas possuíam o necessário para a compra
dos medicamentos. Junto à esposa, ciente e consciente da situação,
ficara a pensar. Vestira e saíra, consolando a querida companheira e
dizendo-lhe:
- Não se preocupe, nada nos faltará, confiemos em Deus!
Ao regressar, à tardinha, encontra a esposa surpresa e um pouco agastada, que lhe diz:
- Por que tamanho gasto! Não precisava preocupar-se tanto, comprando alimentos de mais e que podem estragar-se..
- Mas, que aconteceu?
- Logo assim que você saiu, explica-lhe a esposa, recebemos uma carroça de alimentos...
E, levando-o à despensa, mostrou-lhe o sacos, os embrulhos, os
amarrados de víveres, que recebera. Bezerra olhou para tudo aquilo e
emocionou-se! Nada comprara e quem então lhe teria enviados tão grande
dádiva se não Deus, através de seus bondosos filhos!
E, abraçado à querida consorte, refugiou-se a um canto da casa para a
prece de agradecimento ao Pai de Amor, que lhe vitoriava a Missão,
confirmando-lhe o ideal cristão e como a lhe dizer:
- Por preocupar-se tanto como o próximo, com todos meus filhos, eu preocupo-me com você e todos os seus, também meus filhos!1
Em plena doença, com o corpo inchado, vítima de anasarca, ainda
hemiplégico, atendia aos seus inúmeros doentes que o visitavam,
enviando-lhe no aceno das mãos, no sorriso dos lábios ou pelo olhar
manso e bom, consolações e testemunhos de confiança na Virgem
Santíssima!
Foram cerca de quatro longos meses de sofrimentos atrozes, de
sublimes testemunhos, em modestíssimo e desguarnecido quarto de sua
residência humilde, pois o impacto produzido por esse mal violentíssimo o
privara de qualquer movimento e da própria fala. Apenas seus lindos
olhos verdes se moviam e falavam naquela linguagem misteriosa da
expressão nascida da pureza de seu coração e da grandeza extraordinária
de sua fé de apóstolo.
Bezerra fez questão de que os remédios fossem prescritos pelas
entidades espirituais, e de receber passes mediúnicos, indo os médiuns à
sua residência, para esse fim caridoso.
A miséria passara a residir em seu lar, e faltar-lhe-iam a própria
alimentação e os remédios para amenizarem o seu grande martirológio
físico, não fossem os corações bondosos e agradecidos que, em verdadeira
romaria, afluíam dia e noite de seu calvário, para levar-lhe a sua
solidariedade e o testemunho de seu reconhecimento, postando-se, um de
cada vez, diante de seu leito, enquanto ele, com os olhos lacrimosos,
agradecia, assim, através dessas lágrimas, que eram realmente a palavra
de sua alma, a voz de seu sentimento.
E essas almas generosas, amigas e agradecidas, que dele tantos e
tantos benefícios haviam recebido, sigilosamente iam deixando, sem que
disso ele se apercebesse, desde a moedinha da espórtula da viúva, como
nos fala o Evangelho, até as cédulas de vários valores, debaixo do
travesseiro em que ele descansava a cabeça de apóstolo do Evangelho em
espírito e em verdade.2
No dia 11 de abril de 1900, sentindo que se aproximava a hora de seu
decesso, pediu que o ajudassem a levantar-se um pouco e, com a cabeça
erguida, olhos voltados para o Alto, assim orou, baixinho e entra
lágrimas, deixando-os suas últimas palavras como a Lição permanente da
sua grandeza Espiritual, de seu Espírito totalmente libertado dos vícios
e ligado à causa cristã:
Virgem Santíssima, Rainha do Céu, Advogada de nossas súplicas junto
ao Divino Mestre e a Deus todo poderoso, eu te peço não que deixe de
sofrer mas que meu pobre espírito aproveite bem todo o sofrimento e te
peço pelos meus irmãos que ficam, por esses pobres amigos, doentes do
corpo e da alma, que aqui vieram buscar no teu humilde servo uma migalha
de conforto e de amor. Assiste-os, por caridade, dá-lhes, Senhora, a
tua Paz, a Paz do Cordeiro de Deus que tira os pecados do Mundo, Nosso
Senhor Jesus Cristo! Louvado seja Teu nome! Louvado seja o Nome de
Jesus! Louvado seja Deus!1
E desencarnou!
Gente de toda a cidade do Rio, especialmente dos morros, das favelas,
gente humilde, descalça, maltrapilha, os pobres de espírito, os
humildes de coração, beneficiados pela Medicina do seu amor, ali se
achavam em mistura com outra gente rica e poderosa, pertencente ao mundo
oficial do Governo.1
Na noite de 12 de abril de 1900, às sete horas, houve a habitual
sessão comemorativa da Ceia do Senhor, na FEB. Todos que ali estavam
ouviram, pela maravilhosa mediunidade de Frederico Pereira da Silva
Júnior, a palavra querida do Espírito do nosso Bezerra de Menezes.
Sua mensagem foi longa, e nela mais de uma vez, humildemente,
agradeceu a Deus, a Jesus e a Virgem Santíssima as bênçãos divinas que
misericordiamente recebia na pátria espiritual, dizendo:
Baixai vossos olhos sobre os meus amigos! São também vossos
filhinhos, como eu, que aflito gemi e padeci na Terra, sempre com os
olhos cravados em vós. Dai que eles possam compreender, ó Virgem
Imaculada(...), esse amai-vos uns aos outros, certos, convencidos de que
o amor que desdobrarem das suas almas, para os seus irmãos, evola-se,
libra-se aos páramos onde está o vosso amado Filho, é o amor
elevadíssimo que nos vem com Jesus.(...) Obrigado a todos vocês. Bezerra
estará sempre unido aos vossos corações. O Bezerra pede a Deus, e Deus
há de permitir que ele continue a trabalhar, a produzir a seara
bendita.2
No dia 11 de abril de 1950, ocorre no plano espiritual uma reunião
para homenagear os 50 anos de desenlace do Dr. Bezerra de Menezes. Chico
Xavier foi um dos convidados. Bezerra achava-se naquele ambiente de luz
e emoção, sinceridade e gratidão e vivendo com grande emoção aqueles
momentos em que recordava dos 69 anos vividos na Terra como o Médico dos
Pobres, o Irmão dos sofredores, o Discípulo humilde e sincero de Jesus e
o Kardec Brasileiro.
De repente, sob a surpresa dos que compunham a grande assembléia, de
mais Alto, uma Estrela luminescente dá presença. Era Celina, a enviada
da Virgem Santíssima, que chega e lê a sua mensagem, promovendo Bezerra a
uma Tarefa Maior e numa Esfera mais Alta. O Evangelizador Espírita
chora emocionadíssimo e ajoelha-se agradecendo entre lágrimas, à Mãe das
Mães a graça recebida, suplicando-lhe, por intermédio de sua enviada
sublime, para ficar no seu humilde Posto, junto à Terra, a fim de
continuar atendendo aos pedidos de seus irmãos terrestres que tantas
provas lhe dão de estima e gratidão.
O espírito luminoso de Celina sobe às esferas elevadas donde veio e
se dirige aos pés da Mãe Celestial, submetendo à sua apreciação o pedido
de seu servo agradecido.
Daí a instantes, volta e traz a resposta de Nossa Senhora:
- Que sim, que Bezerra ficasse no seu Posto o tempo que quisesse e sempre sob suas bençãos!
E da Terra e do Além partem vozes em Prece!1
Bezerra de Menezes que, na Terra, foi o extraordinário arauto do
Evangelho, simbolizado na sua fé, na sua ação, no seu trabalho, no seu
amor, nos seus pensamentos e na sublime caridade que praticava sempre em
todas as horas de seu viver, continua ainda nas etéreas regiões, por
intermédio dos mais diversos médiuns existentes em todo o Brasil,
distribuindo as flores mais belas e mais viçosas, nascidas de seu
coração aos que sofrem, gemem, choram e desesperam, em virtude de seus
padecimentos físicos e morais.2
É o caso de Deolindo Amorim que em carta dirigida a Ramiro Gama dá
seu depoimento sobre o acontecimento extraordinário que acontecera em
seu lar.
Costumava freqüentar uma sessão mediúnica, dirigida pelo coronel
Antônio Barbosa da Paixão (um dos primeiros espíritas, que conheci no
Rio de Janeiro), muito próxima da pensão onde eu morava. Certa noite, ao
deixar a sessão em casa do coronel, ainda sob os efeitos do bom
ambiente que eu levara do Centro, bem calmo e confortado, cheguei em
casa tarde da noite e encontrei minha filha mais velha que tinha apenas 1
ano com dores fortes, sem dormir, chorando muito, apresentando
contorções um tanto esquisitas. Minha mulher, com a menina nos braços,
não conseguia melhorar a situação.
Quando vi o quadro, lembrei-me logo de fazer uma prece e pedir
auxílio do Espírito de Bezerra de Menezes, que já me beneficiou mais de
uma vez, em circunstâncias especiais. Como eu estava sob influência de
ambiente sadio da sessão mediúnica, havia uma predisposição psicológica
para o ato da prece.
Então, deitei-me naturalmente, como se fosse dormir, e fiz sinal a
minha mulher que ficasse onde estava, com a menina nos braços, enquanto
eu fazia a prece, comecei a sentir uma espécie de frio na mão direita e,
deitado mesmo, ainda com os olhos fechados, apliquei o passe. Fi-lo com
toda a confiança, porque já estava sentindo as irradiações desse
bondoso Espírito. Resultado: à medida que aplicava o passe, de lá, da
cama onde estava, pois a menina continuava distante, no quarto, ela ia
ficando calma, ia deixando de chorar e, por fim, quando terminei o
passe, com a prece, a menina já estava dormindo.
Minha mulher pô-la no berço, tudo voltou ao estado de calma e, no dia
seguinte, a criança amanheceu rindo, como sempre, como se nada houvesse
acontecido antes. Senti, aí, mais uma vez, pois tenho várias
experiências pessoais, o poderoso recurso da prece, como também senti a
vibração caridosa desse espírito iluminado, que se chamou, entre nós,
Adolfo Bezerra de Menezes.2
As mensagens de Bezerra transmitidas por diferentes médiuns,
fazem-nos sentir que o Espiritismo é a força propulsora das verdades
eternas, reerguendo-nos do lodaçal de nossos vícios e misérias. Bezerra
de Menezes é para todos os que mourejam em terra do Coração do Mundo, a
âncora de salvação, quando o infortúnio os atinge. Milhões de vozes
pedem diariamente o seu socorro... Milhões de corações agradecem a esse
grande benfeitor as dádivas do seu amor!
Bezerra de Menezes vive nos corações de todos os espiritistas do Cruzeiro do Sul!2
Por: Eva Patrícia Baptista
Estudo sobre o grande médico e espírita, denominado o “Kardec
brasileiro”, apresentado em palestra no NEU-UERJ/Faculdade de Ciências
Médicas em outubro de 1999.
Referências Bibliográficas:
1. Lindos Casos de Bezerra de Menezes. Ramiro Gama.
2. Vida e Obra de Bezerra de Menezes. Sylvio Brito Soares.
Fonte: Blog A Doce Maria de Nazaré.