Quando observamos a História, percebemos que alguns dos maiores algozes da humanidade — Adolf Hitler, Josef Stalin, Pinochet, e Osama Bin Laden, dentre outros — um dia foram crianças. Antes de se tornarem símbolos de ódio, violência e destruição, também experimentaram o colo materno, os primeiros passos, os sorrisos inocentes.
Aqui está o ponto crucial: o que aconteceu no percurso entre a pureza inicial e a crueldade final?
Segundo O Evangelho Segundo o Espiritismo, capítulo VIII, a infância não é apenas uma etapa biológica — é um estado espiritual profundamente planejado pela Providência Divina. Nela, o Espírito recém-reencarnado encontra-se em condição de maleabilidade moral, com as lembranças das vidas passadas temporariamente adormecidas. As más inclinações, embora ainda existam, estão amortecidas, permitindo que pais, educadores e a própria sociedade imprimam valores de luz na alma.
Mais que isso, o estado infantil é um mecanismo de reconciliação espiritual. Muitas vezes, aquele bebê que hoje seguramos nos braços foi, no passado, um inimigo ou até mesmo um algoz que nos feriu profundamente. A sabedoria divina, conhecendo nossa dificuldade de perdoar, nos oferece esse reencontro velado pela fragilidade e pela inocência. Diante do olhar puro de uma criança, nosso coração se desarma. É difícil nutrir ódio quando se vê um ser indefeso que depende inteiramente de nós para viver.
A pureza infantil é, portanto, um elo de reconciliação entre almas. Ela nos dá a oportunidade de amar novamente quem, outrora, talvez tenhamos odiado. Ao cuidar, alimentar, proteger e educar, vamos dissolvendo mágoas antigas sem sequer nos darmos conta, porque o amor silenciosamente substitui a lembrança da dor. “Deixai vir a mim as criancinhas, porque o Reino dos Céus é daqueles que se lhes assemelham.” — Jesus
Aqui, o Mestre nos recorda que o coração infantil é um reflexo da simplicidade e da pureza necessárias para alcançar a paz espiritual.
Infelizmente, quando a infância é negligenciada — seja pela violência, abandono, falta de exemplo ou ausência de educação moral —, o terreno fértil pode ser tomado por ervas daninhas. Hitler, Stalin e Bin Laden não nasceram monstros; tornaram-se assim, em grande parte, pelo ambiente moral que os moldou. A sociedade raramente percebe que o crime de amanhã começa na infância de hoje.
O Espiritismo nos alerta: a paz do mundo começa no berço. A formação moral e espiritual de uma criança não é apenas responsabilidade dos pais, mas de toda a coletividade. Cuidar da infância é investir no futuro da humanidade. É nutrir não só o corpo, mas também a alma. É ensinar pelo exemplo, cultivar valores que resistam ao egoísmo, à vaidade e à violência.
O estado infantil é mais que uma fase da vida — é um projeto divino para regenerar a Terra e reconciliar corações. E quem desperdiça essa oportunidade, deixa escapar uma das mais preciosas chances de transformar inimigos em amigos, e amigos em irmãos eternos.
Na Revista Espírita — Ano II — Fevereiro de 1859, foi publicada uma comunicação espontânea do Sr. Nélo, médium, lida em 14 de janeiro de 1859, intitulada “A Infância”. Eis os principais trechos e ensinamentos:
“Não conheceis o segredo que, na sua inocência, ocultam as crianças; não sabeis o que são, nem o que foram, nem o que hão de ser. Entretanto, vós as amais, as prezais como se fossem parte de vós mesmos…” — O amor natural que nutrimos pelas crianças é inexplicável, íntimo e profundo .
Elas são seres enviados por Deus em novas existências; para que não sofram severidade imediata, lhes é concedida toda a aparência da inocência, mesmo que carreguem falhas de existências passadas .
Essa inocência não é uma superioridade real, mas uma imagem do que deveriam ser. Se não o são, a responsabilidade recai sobre eles próprios, uma vez que já tiveram essa oportunidade .
Essa aparência de pureza também foi providencialmente dada por Deus pelos pais, já que seu amor frágil seria abalada frente a um comportamento intratável — ao supor bondade nos filhos, os pais os cercam de afeto e proteção .
Com o tempo, quando a criança não mais necessita dessa proteção (por volta dos 15 a 20 anos), seu verdadeiro caráter emerge, revelando-se bom se realmente era, ainda que com nuances antes ocultas .
Esses trechos ressaltam que a infância é um estágio de misericórdia e oportunidade, onde a alma pode ser educada e guiada sem o peso imediato da justiça ou do julgamento — mas é também um período em que se plantam sementes que, no futuro, definem o verdadeiro caráter do ser.
Regih Silva